1 comments | quinta-feira, setembro 29, 2005

Estive no Estádio do Dragão, ontem, a assistir ao disparate. Poderia, aqui, discorrer longamente sobre o que julgo ter estado mal. Uma defesa banal e muito jovem, quando se sabe que é esse o sector em que os jogadores mais tardiamente atingem a maturidade, composta por centrais medrosos e laterais merdosos, meio-campo sem um elemento defensivo, um trinco que ajudasse a segurar aquele 2-0 até ao intervalo, pontas-de-lança perdulários e precários... Hugo Almeida não presta, até prova em contrário, McCarthy foi uma nódoa, Jorginho meteu nojo o tempo todo. Podia reflectir sobre Co Adriaanse, dizer que é este o preço a pagar por uma equipa que se constrói da frente para trás, podia descascar na SAD que deu ao holandês um plantel sem defesas de categoria. Podia, inclusivamente, criticar o comportamento do holandês no banco, sugerindo que é incapaz de alterar as substituições que já leva pensadas antes do jogo, em função do rendimento dos jogadores. Não haverá outra explicação para que tenha tirado Diego em vez de Jorginho....

Mas não quero fazer nada disso, pois estaria a eludir a verdadeira justificação para a derrota do meu F. C. Porto. Essa justificação poderá estar em mim. Tempos houve, lá muito para trás, em que não falhava uma, em que ia às Antas sempre que havia jogo. Hoje em dia, é raríssimo ir ao futebol. Não se proporciona nem tenho a mesma paciência. É um espectáculo de que gosto, mas que devo consumir com parcimónia. Ora, sucede que da última vez que eu tinha visto o Portinho, ao vivo, ainda nas Antas, o resultado fora uma derrota, frente ao Panathinaikos. Ou seja, sou o protótipo do pé frio, dou azar. Pelo menos, assim pensava quando saí do jogo, até que, na estação do metro, ouvi um homem desesperado:

_ Sou um gato preto! Não posso vir ao futebol!...

E compreendi que não estou sozinho. Compreendi, aliás, que os problemas estão mesmo naquelas questões sobre as quais eu aqui poderia, longamente, ter discorrido.

1 comments | domingo, setembro 25, 2005

No dia 30 de Agosto, escrevi aqui:

"...calculadamente ambíguo, o discurso de Manuel Alegre de Melo Duarte apenas pode ser explicado com os acontecimentos que o futuro trouxer..."

Se eu visse nisto algum mérito interpretativo excepcional, não estaria agora a lembrá-lo. Só me espanta que, depois do discurso de Viseu, quase todos os comentadores, na blogosfera e fora dela, tenham sido tão certeiros a vaticinar que Alegre não avançaria. Com a pressa de serem lancinantes e clarividentes, deram tiros nos pés. E o poeta foi tão veladamente claro!...

2 comments | sexta-feira, setembro 23, 2005

Já aqui escrevi coisas sobre a polémica em torno da Avenida dos Aliados, que, provavelmente, não agradaram a muita gente, a começar pelos que contestam de viva voz a intervenção em curso. É algo que faz parte da vida democrática, do respeito pelo debate, do gosto pelo pluralismo. Porque é vital, digo eu, que o confronto de opiniões seja respeitado, tenho de repudiar, aqui, o que tem sido feito no blogue propagandístico de Rui Rio, em que comentários têm sido apagados, só porque veiculam opiniões que, pelos vistos, fazem mazela ao poder vigente. Isso é muito mau e, mesmo que o procedimento censório não seja obra directa do presidente/candidato, diz muito acerca da forma como por aqueles lados é entendido esse fundamento da democracia que é a liberdade de opinião e de expressão.

9 comments | sábado, setembro 10, 2005

Foto de POS
Aartois (1997-2005)

Não sei onde fica, o sítio, mas existe. Não sei que nome tem, nem importa. No livro de Paul Auster era Timbuktu, mas pode ser o Jardim dos Ossos ou a Alameda dos Postes Sagrados. Sei que vai por lá uma grande balbúrdia, porque chegaste hoje, e sei que não vais descansar enquanto não cheirares cada recanto e correres atrás das outras almas caninas, habituadas ao remanso de uma eternidade pachorrenta. Contigo não pode ser assim, e os outros que se habituem.

Sabes que não sou dado a essas coisas de céu ou inferno, antes pelo contrário. Até pode haver alguma coisa parecida, não sei se as duas, mas ignoro para qual irei quando chegar a minha hora. Sabes que nós, bichos de duas patas no chão, não descansamos enquanto não complicarmos as coisas, e há entre nós uns fulanos que se julgam intermediários entre cá e lá. Desses é que eu não gosto muito, ou, melhor, não gosto das organizações de que eles fazem parte, sejam elas quais forem. Com os cães, como bem sabes, não há nada disso. Vocês têm mais que fazer do que andar a complicar: há que correr atrás de gatos, roer ossos, comer, dormir, dormir, dormir e alegrar os bichos de duas patas no chão que um dia decidiram adoptar. Sei que existe esse sítio, para onde hoje te mudaste, porque vocês não existem para praticar o mal, porque sei que têm sentimentos, e é isso ter alma, porque sei que amam de verdade, incondicionalmente, porque têm a generosidade de o fazer em relação a animais de outra espécie, esta minha, como se fôssemos dos vossos.

Vêm-me à memória tantas imagens tuas. Desde o dia em que eras um qualquer no meio de uma ninhada de diabretes pretos até ao dia em que deixaste de ser um qualquer, porque foste levado à casa que viria a ser tua e de onde não quiseste sair. Saí eu, porque a vida de gente é feita dessas coisas, mas com o coração sempre ligado a ti e ao outro, que te adoptou ao mesmo tempo, esse irmão mais velho que partilha contigo o estatuto de cão mais lindo do mundo, apesar de tão diferentes. Loiro um, moreno outro (tu, claro), sereno um, frenético outro (tu, claro), mais rijo um, mais frágil outro (e por isso partiste). Tão pouco parecidos que até ficou para sempre a anedota do engenheiro imbecil que, querendo ser simpático para disfarçar a incompetência na venda de uma casa, saiu-se com a bela conclusão: “São de raças diferentes!...”.

Ficámos assim a saber que tu, um cão de pastor belga groenendael (mainada!...), não eras o mesmo que o teu mano, um golden retriever.

Mas vejo-te naquele dia em que cheguei e tinhas uma pata em farrapos, ensanguentada e dobrada para trás, lembro-me do susto, de como caminhaste lentamente para mim, a pedir ajuda, de como fomos ao veterinário a correr para que voltasses a andar. Eras cachorro, ainda, e desde então viveste sempre com um ferro metido lá dentro, sem que isso te impedisse de correr como um louco atrás de bolas e outros brinquedos. Lembro-me de quando eras mesmo pequeno e não conseguias pular para cima da cama, lembro-me de acordar com os teus vinte e seis quilos em cima de mim e as minhas costas transformadas em papas de aveia. Lembro-me de como roías tudo, quando eras pequenino. Puxadores de gavetas, comandos da máquina de lavar, botões do micro-ondas e do fogão... Um dia, abriste uma gaveta e destruíste uma embalagem de folha de alumínio. Na hora de aliviar a tripa, inventaste as fezes prateadas, ignoradas em todos os manuais de veterinária que há no mundo. Mas o que de ti mais fica são os carinhos, o mimo, a língua frenética a distribuir beijos, o afã de estar sempre a ver tudo o que se passava, a canseira de controlar todos os gestos e movimentos dessa gente que estava à tua guarda.

Assim ansioso, não foste capaz de esperar pelo teu tempo de ir para o paraíso dos cães. Foste cedo, apressado, parecia que tinhas receio de perder alguma da acção que por lá haverá. Ou não, estou a ser injusto contigo. Sei que sofreste. A vida ainda não te seria insuportável, mas não tardaria que o fosse. Tiveste muita sorte, porque a patroa deu-te tudo e esteve sempre contigo. Eu não, ou eu pouco, mas já te expliquei que a vida de gente é feita dessas coisas. Sei que me perdoas.

0 comments | quinta-feira, setembro 08, 2005

A nação, ou boa parte dela, parou para ver a implosão de dois prédios, accionada pelo primeiro-ministro. É em Portugal que acontecem estas coisas.

0 comments | quarta-feira, setembro 07, 2005

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.

Fernando Pessoa, pois

++++++++++++++

Ora dá-se o caso de eu não querer dizer nada. Se assim é, o que deu a esse senhor para me pôr a pôr aí em cima o que aí em cima pus?

2 comments | domingo, setembro 04, 2005

Foto de POS
"Velho Porto" e edifício de Fernando Távora

Todos os jornais, incluindo o meu, usam imagens do edifício que aqui se mostra, a propósito do falecimento do arquitecto Fernando Távora. Chamam-lhe todos, erradamente, "Casa dos vinte e quatro". Aliás, cumprindo uma regra jornalística, usam "24", como se estivessem a contar melões. Ora, dá-se o caso de a "Casa dos vinte e quatro", no Porto, nunca ter tido muita importância. Existiu, como pretensão de copiar a organização dos mesteirais de Lisboa, mas nunca chegou a ponto de ter, digamos, instalações próprias (no Porto, o poder foi sempre dos mercadores de grande trato, não dos mesteirais). Ora, como já uma vez se escreveu neste blogue, a torre de Távora foi erguida sobre o pouco que restava da medieva Casa da Câmara. Há quem admita que o povo pudesse ter usado essa relação com os "vinte e quatro" por ser ali que, antes da procissão do Corpus Christi, os representantes dos mesteres vestiam as roupagens de cerimónia, saindo por uma porta que dava para a Sé. Mas isso não é assim tão claro. Quanto à estátua, que simboliza o Porto, estava esquecida, como bem refere o "Diário de Notícias", nos jardins do Palácio de Cristal. Antes disso, encimava o frontão dos antigos Paços do Concelho, demolidos na operação de "requalificação urbana" que permitiu rasgar a Avenida dos Aliados...

0 comments | sábado, setembro 03, 2005

Foto:NGS

A propósito do comentário a um comentário aí para baixo.

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Há coisas, na televisão, que me fazem ficar especado a olhar para o ecrã. Posso dar o exemplo dos programas de culinária (riam-se à vontade), mas do que quero falar é dos filmes de Sergio Leone, quando aparecem. Há dias, ou há noites, sejamos rigorosos, o meu zapping desaguou num plano dos olhos de James Coburn, enquadrados pela câmara e pela música inconfundível de Ennio Morricone. O filme era “Duck, you sucker”, de 1971, originalmente “Giù la testa”, também conhecido por “A Fistful of Dynamite”, “C'era una volta la rivoluzione" ou “Once Upon a Time... the Revolution”. Não sei se por causa da perfeita complementaridade entre imagem e banda sonora, os “Western Spaghetti” de Leone possuem uma espantosa potência magnética. A verdade é que o italiano filmava de uma maneira única, conseguia roubar aos actores expressões faciais em que cabe toda a acção e toda a tensão. Todo o medo e todo o sangue-frio. Toda a maldade, toda a rudeza. Sem efeitos especiais, sem figurantes aos milhares, sem a necessidade de pôr os pés no wild west. Sou capaz de me surpreender eternamente com o duelo final de “O bom, o mau e o vilão”. Vendo e ouvindo.

0 comments | sexta-feira, setembro 02, 2005

Com o volume alto q.b., que não quero ficar surdo, ouço Lou Reed nos auriculares ligados à maquineta onde escrevo isto. Um tema do álbum "The Blue Mask", de 1982. Rock'n'roll puro e duro, duas guitarras, um baixo, uma bateria. Gravado em duas pistas apenas, sem qualquer tipo de overdubbings e coisas dessas de que nada percebo. A letra não é para ser levada à letra, ou seja, não são palavras minhas. Mas como este blogue, por limitações técnicas, não tem música, levam com as palavras.

Waves of fear

Waves of fear, attack in the night
waves of revulsion, sickening sights
My heart's nearly bursting, my chest's choking tight

Waves of fear, waves of fear

Waves of fear, squat on the floor
looking for some pill, the liquor is gone
Blood drips from my nose, I can barely breathe
waves of fear, I'm too scared to leave

Waves of fear, waves of fear
waves of fear, waves of fear

I'm too afraid to use the phone
I'm too afraid to put the light on
I'm so afraid I've lost control
I'm suffocating without a word

Crazy with sweat, spittle on my jaw
what's that funny noise, what's that on the floor
Waves of fear, pulsing with death
I curse at my tremors, I jump at my own step
I cringe at my terror, I hate my own smell
I know where I must be, I must be in hell

Waves of fear, waves of fear
waves of fear, waves of fear

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No noticiário da RTP, à hora do almoço, li, em rodapé: "Última hora: Presidente Bush vai falar à Nação". A seguir, o directo que, nesta nação, tantos esperavam. Foi no restaurante, a coisa estava sem som. Salvei-me.