Casa do Cabido, Porto
Por vezes, as pessoas agarram-se a causas e por elas ficam agarradas. Caem em exageros, têm atitudes apenas panfletárias e pouco reflexivas, desdenham quem não está com elas. É mau que assim façam, pois transformam causas nobres em meras obsessões. Continuo a ter dificuldade em formar opinião acerca do que está a ser feito na Avenida dos Aliados. Sou tentado a subscrever o ponto de vista dos que estão contra, mas incomoda-me muito a forma como o fazem, pois chegam a ser tão demagógicos como os políticos que contestam.
Até me dói dizer isto, porque sou tudo menos apoiante de Rui Rio, embora as alternativas sejam pouco sedutoras. Fala-se em história, quando a Avenida dos Aliados não tem mais história do que algumas manifs do pós-25 de Abril. Estão, claro, a reportar-se à enorme importância histórica da Praça da Liberdade (a velha Praça Nova de tantas outras designações e figurinos), que perdeu individualidade a partir do momento em que a avenida foi rasgada (quanto ao valor patrimonial de alguns edifícios, como a antigas sedes do “Jornal de Notícias” e d’ “O Comércio do Porto, agora bancos, não me parece posto em causa). Ou seja, qualquer intervenção que se faça não vai alterar um espaço histórico, pois essa alteração já foi há muito feita.
A verdade é que a Avenida dos Aliados, com ou sem canteiros, há muito que nada tem de centro cívico. Claro que prefiro a relva, as árvores e as flores, mas, como já aqui disse, gostaria ainda mais de ver gente diferente da gente que passa. Gostaria de ver cafés, cinemas, animação nocturna, vida. É complicado, pois a gente do Porto não é muito dada à convivência urbana.
Até me dói dizer estas coisas, pois sempre achei que a cidade não devia ser tubo de ensaio de arquitectos circunstancialmente contratados. Sempre torci o nariz às obras da Porto 2001, por exemplo, mas quando criticam o espaço junto à Cadeia da Relação, vão sempre pelo caminho mais fácil, contestando o que se fez e não o que não se faz: exposições de rua com qualidade, teatro, música, vida... Depois, concordo que o belo jardim da Cordoaria foi alvo de uma intervenção assassina, mas fica sempre por dizer que atravessá-lo era tarefa perigosa, de tão propício que se revelou a práticas criminosas. Acho muito bem que os cidadãos se agitem. Que lutem, abracem causas. Espero que seja o ponto de partida para outro tipo de atitudes que têm faltado à cidade. Porém, pensar que as coisas estavam bem como estavam, isto é, como têm estado, é mau. Pensar que bastam relva, flores e árvores para as pessoas descansarem a alma, enquanto esperam pelo autocarro que as devolverá aos subúrbios, é muito pouco. Questionar isso sem questionar o que é preciso para mudar, o que é preciso para que os comerciantes sejam minimamente arrojados, o que é preciso para recuperar e ocupar o sem-fim de casas devolutas, é mero folclore.
O grave nisto tudo é que a Avenida, desfeita ou requalificada (serão sinónimos?), vai, muito provavelmente, continuar a ser o deserto que tem sido. Discute-se pouco por que se esvaziam as cidades. Discute-se pouco o financiamento dos municípios, que potencia a construção maciça nos concelhos limítrofes. Discute-se pouco a mentalidade “nine to five” das pessoas que saem do trabalho para o ecrã dezasseis por nove, pantufas incluídas. Discutem-se pouco as razões e atacam-se apenas as consequências. Se a Baixa continua a ser o que é _ serviços e comércio agonizante, de dia, outros serviços e outros comércios, de noite _, tanto faz que seja com ou sem relva, porque a batalha está perdida.
9 Comments:
Pedro
Concordo com quase tudo o que escreveu, mas....
Como muitos dos que, como eu, fazem a campanha que podem contra este atentado, o Pedro está a discutir o PROJECTO.
Ora eu acho que o que deve ser discutido primeiro é o PROCESSO.
"Requalificar" porquê?, para quê?, como?, quem?, quando?
Acha que é por causa de uma simples entrada para uma estação de metro (discutível) que é necessário "requalificar" as duas praças e a avenida?
Acha que isso deve ser feito ao arrepio da lei?
Acha que isso deve ser feito por arquitectos escolhidos por uma empresa e não como resultado de um concurso aberto e transparente promovido pela CMP?
Não acha estranho que isto seja feito tão a correr antes das eleições?
Porque não, já agora, aguardar mais 2 meses pelo novo executivo (até pode ser que seja na mesma o RR)?
Que isto cheira tudo muito mal, mas mesmo muito mal, lá isso cheira.
Quanto ao projecto, eu não gosto, mas isso é irrelevante e serve apenas para desviar a discussão do que é importante.
O Pedro deixava que fizessem isto em sua casa?
Um abraço
AMNM
11:06
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
14:56
Caro António,
Obrigado pela achega. Respeito inteiramente a sua opinião. Concordando com alguns pontos, como todas as dúvidas que este processo levanta, discordo de outros:
a) Creio que a estação do metro é importante, por motivos que já aqui expliquei, e ainda bem que não fizeram a atrocidade que seria pô-lo a circular à superfície na Avenida dos Aliados;
b)A Baixa é um espaço moribundo, pelo que é preciso mexer-lhe, ou seja, requalificá-la em muitos aspectos, não querendo dizer com isto que o projecto adoptado seja bom, muito menos suficiente.
O que eu não gosto é de ver discussões assentes numa espécie de maniqueísmo, em que os contestatários (os bons) atacam os promotores da obra (mau) com argumentos pouco fundamentados e socorrendo-se, por exemplo, de imagens que não correspondem à realidade, isto é, fotografias que, com as técnicas das empresas de mediação imobiliária, dão ares agradáveis a sítios que o não são tanto.
14:59
A Avenida dos Aliados, tal como muitos outros locais da cidade, deverão ser objecto de obras de requalificação se a necessidade assim o ditar. Mudar por mudar, não cabe na minha ideia de progresso.
Se queriam ter o Siza na cidade porque é que não adoptaram a sua ideia para a Avenida da Ponte que lá continua com os calhaus ao vento, e gavetas cheias de projectos? Era obra meritória e que requalificava a cidade.
Se se quer reabilitar a Baixa, como é moda apregoar, então não alarguem os passeios e mantenham as faixas automóveis encurtando os espaços para lazer, tentem é tirar o automóvel do centro, pensem em reactivar o comércio de qualidade e não permitam que os grandes centros comerciais se implantem.
Já não falo no método de decisão, pois esse está nas nossas mãos mudar daqui a pouco tempo, a não ser que gostemos dele.
Cumprimentos
Teófilo M.
17:53
Com certeza, caro Teófilo, mas há um pequeno problema, que apenas quando caminharmos para uma sociedade perfeita poderá ser resolvido: os automobilistas também são gente, e não há grandes soluções alternativas para a articulação do trânsito entre o Porto e Vila Nova de Gaia, duas faces de uma só moeda. A Baixa sem automóveis, a partir do momento em que tivesse vida própria, seria uma grande coisa, algo como sonhar castelos no ar.
18:26
Que deprimentes estas dúvidas diria quase que existencias(e quão profundamente moralistas!!!)
Mas anime-se homem!
O centro histórico vai estar em festa!(li há pouco no Portuense)
O pessoal das "9 às 17" (que americanice...o melhor é actualizar as horas para os horários de cá!) vai poder ter a sua dose de cultura! Não me apetece assinar este comentário mas como detesto comentários anónimos e os comentários anteriores são tão compreensivos e atenciosos, este assim a modos que trocista não lhe vai fazer mal nenhum.
Assinado:
Manuela, a "cidadã exemplar" que passou para "constestária demagógica" autora de fotos tipo empresa de imobilário...
(olhe que não amigo POS: tenho publicado fotos bonitas e outras tantas muito feias lá nos ALIADOS ; a propósito, actualizei os
Índices
14:10
Manuela, é sempre bem-vinda. Faça troça à vontade, que eu até gosto. Ser exemplar não a torna imune à demagogia, e digo isto tendo a certeza de que não quer, em momento algum, ser demagógica. De qualquer maneira, eu não a quis nomear, porque, com toda a sinceridade, admiro as pessoas que lutam por causas. Não quer isso dizer, porém, que, não estando eu envolvido nelas, deva abdicar de as observar com alguma serenidade que sempre falta nos momentos de paixão.
Não lhe ofereço aqui flores, porque teria de as colher, o que seria criminoso (agora estou a ser parvo... podia ter apagado isto, em vez de o admitir, mas assim tem mais piada).
Não lhe perdoo o "que americanice", acho que vou ter insónias ;)...
Gosto de a ver por cá.
22:03
Caro POS,
claro que os automobilistas são gente, eu sou automobilista, o que não me impede de ser também um pedestrianista, como no geral o são todos os automobilistas não-amputados dos membros inferiores, ou com impossibilidade de se locomover autónomamente.
O trânsito emtre V.N. de Gaia e o Porto poderá fazer-se, de igual modo, sem ter de inundar a Baixa com a quantidade de viaturas com um só ocupante, se existirem meios de transporte adequados e parqueamento estratégicamente distribuído, para além de uma consciência cívica responsável.
O mal, é que cada um entende que a sua liberdade automobilística pode atropelar tudo e todos, em nome de um comodismo exacerbado e egoísta.
Exemplos não faltam por aí.
15:01
Ora aí estão as vantagens do metro, fonte de (quase) todas as polémicas. Também sou peão o mais que posso, e não é pouco. Aliás, ando a caminhar aos dez quilómetros diários, porque o meu popó precisa de umas peças que vêm da estranja e está há séculos retido na oficina. Este mês, finalmente, passarei a ser utente militante do metro. Quanto ao resto, concordo perfeitamente. Há 20 anos que me sento ao volante, e o automóvel nunca foi uma extensão da personalidade, apenas um meio de transporte.
15:24
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