0 comments | sábado, julho 28, 2007

Além de escrever malzito, o arquitecto José António Saraiva não acerta uma. Atira-se hoje a Saramago, nem sequer se incomodando por o fazer a destempo, publicada que foi a entrevista ao "Diário de Notícias" há duas semanas. Naquela coluna intitulada "Política a sério", um entre vários assomos de vaidade, o homem que se julga o mais influente do país associa uma visão pessoal de Saramago a essa abstracta entidade a que dá o nome de "esquerda". O escritor (o verdadeiro, que ganhou o Nobel, não o de pacotilha, que disse querer ganhá-lo) tem um peso institucional próprio, pessoal, e, pelo que dele se vai ouvindo, já deve ter mais que fazer do que pretender doutrinar a dita esquerda. A questão da putativa Ibéria, resultado da integração dos dois estados peninsulares, isto é, a junção de Portugal com as várias nações espanholas, não mereceria o arraial de reacções que provocou, mesmo aquelas que ocorreram em tempo próprio. É uma visão pessoal que, diga-se, não é inédita nem uma impossibilidade. Não será para os nossos dias, suponho, e até pode nunca vir a ser, mas a união ibérica será sempre uma possibilidade, mesmo que distante ou indesejável, excepto para os que ainda acreditarem na pátria de direito divino. Portugal não existiu sempre e, como tudo, acabará. Tal como Espanha. Tal como os que lêem Saramago, tal como os que compram o "Sol".

0 comments | sexta-feira, julho 27, 2007

Portugal definhado define-se nessa sondagem do Porto Canal, de que hoje dá conta o “Público”, segundo a qual 70% das almas que povoam a Área Metropolitana do Porto são contra a fusão do Porto com Vila Nova de Gaia. É o país paroquial de horizontes esgotados ao fundo da rua, que recusa a regionalização e valoriza um municipalismo destinado a transformar elites de bairro em escóis concelhios, distribuidores de medalhas e de licenças de construção.


A ideia de levar a cabo um estudo destes na Área Metropolitana pode parecer descabida, atendendo a que assim se estende a gentes demasiado alheias ao conglomerado urbano em torno da Invicta, a quem pouco importarão a subtilezas administrativas de onde o Douro abraça o mar. A não ser que – e isso já é relevante – a resposta desfavorável traduza medo de ficar sob a alçada de um novo monstro centralizador.


Traduzidos em notas de cinco euros, os gaienses que, estando fora, dizem a toda a gente que são do Porto representariam gorda fortuna. E não o fazem, diz-me a experiência, por qualquer vergonha em relação a Gaia, mas porque os habitantes do núcleo urbano da cidade vivem como sendo do Porto, já que do Porto são. É assim normal com todas as periferias que se juntam à cidade, devido ao crescimento nos dois sentidos, mas o caso de Gaia nem aí se enquadra, uma vez que sempre houve natural articulação e coincidência identitária entre as duas margens do rio.


A única forma de as regiões exorcizarem o fantasma centralizador da capital é conseguirem assumir rumos próprios, viver os próprios riscos, vencer as próprias dificuldades. Isso apenas poderá fazer-se sem medos de proximidade como o que a referida sondagem parece traduzir. A mesma sondagem, sem que essa seja a intenção, tropeça ainda naquele que será o mais inextricável problema ao nível da administração local ou regional: os protagonistas. Pergunta-se quem quereriam os inquiridos ver à frente da reforçada cidade e, sem surpresa, lá aparecem os nomes do costume. Sem que tenhamos de os anatematizar, devemos ter como horizonte a renovação das figuras, algo que as lógicas partidárias sempre dificultarão: há os que trabalham localmente para alimentar ambições nacionais, como Rui Rio ou Luís Filipe Menezes, há os que trabalham localmente onde quer que seja, e é vê-los aí à cata de oportunidade... não se passa disto.


O futuro das populações dependerá sempre de um equilíbrio, difícil de encontrar, entre as ambições de bairro e a fidelidade cega a um conceito de Estado macrocéfalo. Criar regiões administrativas é importante, mas, já aqui se escreveu, dificilmente resultará sem uma reforma administrativa profunda, que passe por repensar, extinguir ou reenquadrar municípios, que passe pela efectiva busca de resultados e não pela desenfreada criação de cargos para alimentar clientelas.


Não perceber isto é hipotecar o futuro, e, como a iniciativa terá de vir de cima para baixo, a não ser que estejamos a postos para um processo revolucionário (não estamos), tal hipoteca é sempre o mais provável dos panoramas.

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Maxime Le Forestier e Vanessa Paradis cantam "Mistral gagnant", tema do grande Renaud Séchan, que aparece, durante alguns segundos, no fim do filme.


Por outras palavras, ainda por aqui ando e, ainda hoje - espero -, haverá uma postagem sem recurso ao YouTube...


Aqui fica a letra ("Mistral gagnant" era uma guloseima que havia na infância de Renaud, nos anos 50):


A m'asseoir sur un banc cinq minutes avec toi
Et regarder les gens tant qu'y en a
Te parler du bon temps qu'est mort ou qui r'viendra
En serrant dans ma main tes p'tits doigts
Pis donner à bouffer à des pigeons idiots
Leur filer des coups d' pieds pour de faux
Et entendre ton rire qui lézarde les murs
Qui sait surtout guérir mes blessures
Te raconter un peu comment j'étais mino
Les bonbecs fabuleux qu'on piquait chez l' marchand
Car-en-sac et Minto, caramel à un franc
Et les mistrals gagnants


A r'marcher sous la pluie cinq minutes avec toi
Et regarder la vie tant qu'y en a
Te raconter la Terre en te bouffant des yeux
Te parler de ta mère un p'tit peu
Et sauter dans les flaques pour la faire râler
Bousiller nos godasses et s' marrer
Et entendre ton rire comme on entend la mer
S'arrêter, r'partir en arrière
Te raconter surtout les carambars d'antan et les cocos bohères
Et les vrais roudoudous qui nous coupaient les lèvres
Et nous niquaient les dents
Et les mistrals gagnants


A m'asseoir sur un banc cinq minutes avec toi
Et regarder le soleil qui s'en va
Te parler du bon temps qu'est mort et je m'en fou
Te dire que les méchants c'est pas nous
Que si moi je suis barge, ce n'est que de tes yeux
Car ils ont l'avantage d'être deux
Et entendre ton rire s'envoler aussi haut
Que s'envolent les cris des oiseaux
Te raconter enfin qu'il faut aimer la vie
Et l'aimer même si le temps est assassin
Et emporte avec lui les rires des enfants
Et les mistrals gagnants
Et les mistrals gagnants

0 comments | sexta-feira, julho 20, 2007

Será esta circunstância de, ao fim de anos e anos, ser capaz de ouvir com deleite os longos 22.52 minutos de "Supper's ready", dos Genesis, um sinal de "cotagem"? Não. É uma excelente forma de concentração no trabalho, distraindo das notícias de mesquinhez humana que se vão conhecendo. Deixo-vos os versos da sequência final ("As sure as eggs is eggs"):


And it's hey babe, with your guardian eyes so blue,
Hey my baby, don't you know our love is true,
I've been so far from here,
Far from your loving arms,
Now I'm back again, and babe it's gonna work out fine.


Can't you feel our souls ignite
Shedding ever changing colours, in the darkness of the fading night,
Like the river joins the ocean, as the germ in a seed grows
We have finally been freed to get back home.


There's an angel standing in the sun, and he's crying with a loud voice,
"This is the supper of the mighty one",
The Lord of Lords,
King of Kings,
Has returned to lead his children home,
To take them to the new Jerusalem.

1 comments | quinta-feira, julho 19, 2007

Qualquer coisa que me apeteça aqui escrever implica muito aqui escrever e não estou para aí virado. O cansaço dilui-se nas palavras alheias, mas alimenta-se das próprias.

0 comments | segunda-feira, julho 09, 2007




Why are we here, what's life all about?
Is God really real, or is there some doubt?
Well tonight we're going to sort it all out,
For tonight it's the Meaning of Life.


What's the point of all this hoax?
Is it the chicken and the egg time, are we just yolks?
Or perhaps we're just one of God's little jokes,
Well ça c'est le Meaning of Life.


Is life just a game where we make up the rules,
While we're searching for something to say,
Or are we just simply spiralling coils
Of self-replicating DNA?


In this life, What is our fate?
Is there Heaven and Hell? Do we reincarnate?
Is mankind evolving or is it too late?
Well tonight here's the Meaning of Life.


For millions this life is a sad vale of tears,
Sitting round with nothing to say,
While scientists say we're just simply spiralling coils,
Of self-replicating DNA.


So just why, why are we here?
And just what, what, what, what do we fear?
Well ce soir, for a change, it will all be made clear,
For this is the Meaning of Life
- c'est le sens de la vie -,
This is the Meaning of Life.

0 comments | sexta-feira, julho 06, 2007

Desculpem a insistência os leitores que não querem saber destas coisas dos jornalistas, mas creio que se justifica, atendendo ao arraial que por aí vai em torno do "latecomer" MIL.


Fazer parte de uma ordem profissional, suponho, deve ser visto por muita gente como algo com sainete, e é essa emplumada importância que muita gente procura na vida, relegando para o dia de S. Nunca (não precisemos a hora) a busca de uma vida propriamente dita. Querer uma ordem, para muitos, será isso, para muitos outros será o prosseguimento de uma cruzada para derrubar o Sindicato dos Jornalistas (SJ). Ou seja, querem fazer a revolução por fora, desinteressados que estão de a fazer por dentro, como o demonstra a envergonhada taxa de participação nas recentes eleições para os corpos gerentes do sindicato, que permitiram a incontornável consagração de uma lista plantada sob a letra U, querer-se-ia de "unitária", mas, afinal, de "única". A propósito, é curioso verificar como vários nomes coincidem nas petições promovidas pelo SJ e pelo "Movimento Informação é Liberdade", algo que pode indiciar mudanças de opinião (só os burros não o fazem), deficiências na leitura de intenções (fica mal aos jornalistas) ou ligeireza (embora os dois campos lutem contra o mesmo diploma, são rigorosamente distintos).


Tendo eu subscrito o abaixo-assinado do SJ e não vendo vantagens na criação de uma ordem, é evidente que não posso associar o meu nome ao MIL. Mas isso não tem de significar qualquer tipo de fidelidade ao poder que se perpetua no SJ, porque, entenderão, não aprecio a perpetuação dos poderes. Agora, tenho de reconhecer que o SJ actuou atempadamente (haja ou não deficiências no pacote reivindicativo apresentado), enquanto o MIL representa, a meu ver, o aproveitamento do facto consumado para promover uma ideia de auto-regulação policiadora.


Não há que eludir a realidade, a deontologia jornalística não pode ser encarada da mesma forma que a dos médicos ou a dos advogados, porque se trata de uma actividade que pode estar sujeita a outros tipo de pressões, decorrentes dos vínculos profissionais ou da precariedade destes (um médico, mesmo que seja funcionário público, não muda um diagnóstico por determinação ministerial...). Ou seja, sempre no esforço de cumprimento da deontologia, o jornalista responde a uma estrutura hierárquica, aos tribunais comuns e, acima de tudo, aos leitores, ouvintes ou telespectadores. Uma estrutura de pares criada para vigiar, disciplinar, enfim, para controlar a classe será, por um lado, difícil de aceitar pelos poderes já existentes. Mas poderá também, por outro, ser mera estrutura de legitimação desses mesmos poderes, que também nessa estrutura poderão estar instalados. E isto é apenas uma questão orgânica, não se trata de dizer que uns são bons e outros são maus.


Que o Sindicato dos Jornalistas transcenda, muitas vezes, as atribuições clássicas, digamos, de uma associação sindical não me aquece nem me arrefece. Pareceres deontológicos são meros indicadores, tenho o direito de os interpretar, de os avaliar, de os ignorar ou, até, de embrulhar peixe com eles. Sendo que o Código Deontológico é reconhecido pelas leis da República, há organismos encarregados de os ter em conta, quando for caso disso. Já os pareceres vinculativos emanados de uma ordem de jornalistas não me agradam. Porque sei como muitos jornalistas funcionam, porque este é um campo dado como poucos à subjectividade, porque os problemas (e os erros) do jornalismo português não assentam, em exclusivo, nos ombros dos jornalistas.


Existe aqui um problema político. De aperto do cerco por parte do poder político. Porquê? Porque, por vezes, é mais fácil atacar os problemas onde há fragilidades, ao invés de os combater onde realmente existem. E tudo isto passa pela Justiça, ou, no caso, ao largo da Justiça.

1 comments | quarta-feira, julho 04, 2007

Mantém-se o que há dias escrevi, sob o título "Luta de galos", mas com crescente intensidade, que é como quem diz empenho dos envolvidos. Há, na classe profissional a que pertenço, repúdio generalizado do Estatuto do Jornalista que aguarda promulgação (ou veto) do presidente da República, mas essa unanimidade transforma-se facilmente em divisão. Há muito que o Sindicato dos Jornalistas vem alertando para esta situação, tendo promovido um abaixo-assinado no seio da classe para dar força às reivindicações. E, embora haja quem diga o contrário, como é o caso de Joaquim Vieira, o documento em causa não foca apenas "questões meramente corporativas".


O rótulo das corporações remete-nos, evidentemente, para os mecanismos usados pelas ditaduras europeias (Estado Novo incluído, claro) para estruturarem o controlo da sociedade, inspiradas nos textos da Doutrina Social da Igreja, designadamente a famosa encíclica "Quadragesimo Anno", de Pio XI, que propunha uma esquematização do género para travar, de um só golpe, o comunismo e o capitalismo selvagem. Ora, não nos desviemos mais, o Estado corporativo lembra-nos de imediato, no que ao mundo do trabalho respeita, os grémios, os "sindicatos nacionais" e as ordens. E pelo que das ordens se conhece (das que subsistem), não há na sociedade portuguesa estruturas com mais solidificado (cristalizado, diria eu) espírito de corpo. Uma associação sindical, como actualmente a entendemos, não se enquadra nesse espírito. Dela faz parte quem quer e, no caso de não concordarmos com o rumo que segue ou as pessoas que a dominam, temos pleno direito de construir um sindicato alternativo. Já as ordens são órgãos de filiação obrigatória, não há volta a dar-lhes.


Adiante. Tudo isto vem a propósito do "Movimento Informação é Liberdade", com residência montada na blogosfera, aqui. Surgido da unanimidade (ou quase unanimidade) que referi a abrir este texto, aparenta servir, também, outros propósitos, como se verifica no esclarecedor final do comunicado que, em tom messiânico, toma forma de "Alerta ao País":


...por considerarem que, tal como sucede em Portugal em outras áreas de
actividade, deverão ser os jornalistas a autoregular-se em matérias de Ética e
Deontologia e no controlo do acesso e do exercício da profissão;


"os jornalistas profissionais abaixo assinados manifestam publicamente a
sua total disponibilidade para assumir essa autoregulação e esse controlo,
desenvolvendo para tal, desde já, todos os esforços necessários nesse sentido,
em articulação com todos os profissionais e com as instâncias também empenhadas
em garantir o direito fundamental de informar com liberdade."


Retiro "autoregular-se (sic)..." e "controlo do acesso e do exercício da profissão", sublinho com "total disponibilidade para assumir essa autoregulação (sic) e esse controlo". Como eu sempre disse, uma eventual "Ordem dos Jornalistas" servirá para pouco mais além da criação de uma elite profissional, que detenha o controlo (ah, forte palavra!...) da deontologia, do exercício profissional e, mais curioso ainda, do acesso à profissão (como se o jornalismo fosse coisa que requeira altos pergaminhos de especialização académica, ao nível de outras profissões enquadradas por ordens profissionais, das quais a Medicina é, pela fragilidade que em todos incute a precariedade da vida, o mais recorrente dos exemplos: ser jornalista orientado por valores éticos e seguidor dos ditames deontológicos não requer saber científico, mas integridade, critério dificilmente aferível por um grupo de guardiões da pureza). De resto, ser bom ou mau jornalista depende de muitos factores, dos quais a qualificação prévia não é, necessariamente, o mais determinante. Se assim é, não há critérios simultaneamente objectivos e justos que permitam controlar o acesso à profissão.


Adiante. Tenho de ir jantar e o que eu quero dizer é muito simples. O comunicado do referido movimento, de acrónimo MIL, assenta em preocupações justas e vitais, para desaguar numa proposição de intenções que podia ser mais clara. A mim, aquilo parece uma comissão pró-ordem. E eu não preciso de uma ordem dos jornalistas para nada.

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Quatro anos de blogosfera, desde que escrevi, numa coisa a que chamei "Cerco do Porto", isto:


«Preâmbulo


«Não cabe aqui uma declaração de princípios, um desfiar de intenções inventadas em cima da hora. Este primeiro "post" - deverei dizer nota? deverei dizer entrada? - não é mais do que um teste. Mera apalpadela de um terreno virtual no qual me aventuro, sem mapa, bússola ou sextante, sob um céu encoberto que esconde o posicionamento das estrelas. Assim sendo, cá vai!»


Muito obrigado a todos.