1 comments | quarta-feira, julho 04, 2007

Mantém-se o que há dias escrevi, sob o título "Luta de galos", mas com crescente intensidade, que é como quem diz empenho dos envolvidos. Há, na classe profissional a que pertenço, repúdio generalizado do Estatuto do Jornalista que aguarda promulgação (ou veto) do presidente da República, mas essa unanimidade transforma-se facilmente em divisão. Há muito que o Sindicato dos Jornalistas vem alertando para esta situação, tendo promovido um abaixo-assinado no seio da classe para dar força às reivindicações. E, embora haja quem diga o contrário, como é o caso de Joaquim Vieira, o documento em causa não foca apenas "questões meramente corporativas".


O rótulo das corporações remete-nos, evidentemente, para os mecanismos usados pelas ditaduras europeias (Estado Novo incluído, claro) para estruturarem o controlo da sociedade, inspiradas nos textos da Doutrina Social da Igreja, designadamente a famosa encíclica "Quadragesimo Anno", de Pio XI, que propunha uma esquematização do género para travar, de um só golpe, o comunismo e o capitalismo selvagem. Ora, não nos desviemos mais, o Estado corporativo lembra-nos de imediato, no que ao mundo do trabalho respeita, os grémios, os "sindicatos nacionais" e as ordens. E pelo que das ordens se conhece (das que subsistem), não há na sociedade portuguesa estruturas com mais solidificado (cristalizado, diria eu) espírito de corpo. Uma associação sindical, como actualmente a entendemos, não se enquadra nesse espírito. Dela faz parte quem quer e, no caso de não concordarmos com o rumo que segue ou as pessoas que a dominam, temos pleno direito de construir um sindicato alternativo. Já as ordens são órgãos de filiação obrigatória, não há volta a dar-lhes.


Adiante. Tudo isto vem a propósito do "Movimento Informação é Liberdade", com residência montada na blogosfera, aqui. Surgido da unanimidade (ou quase unanimidade) que referi a abrir este texto, aparenta servir, também, outros propósitos, como se verifica no esclarecedor final do comunicado que, em tom messiânico, toma forma de "Alerta ao País":


...por considerarem que, tal como sucede em Portugal em outras áreas de
actividade, deverão ser os jornalistas a autoregular-se em matérias de Ética e
Deontologia e no controlo do acesso e do exercício da profissão;


"os jornalistas profissionais abaixo assinados manifestam publicamente a
sua total disponibilidade para assumir essa autoregulação e esse controlo,
desenvolvendo para tal, desde já, todos os esforços necessários nesse sentido,
em articulação com todos os profissionais e com as instâncias também empenhadas
em garantir o direito fundamental de informar com liberdade."


Retiro "autoregular-se (sic)..." e "controlo do acesso e do exercício da profissão", sublinho com "total disponibilidade para assumir essa autoregulação (sic) e esse controlo". Como eu sempre disse, uma eventual "Ordem dos Jornalistas" servirá para pouco mais além da criação de uma elite profissional, que detenha o controlo (ah, forte palavra!...) da deontologia, do exercício profissional e, mais curioso ainda, do acesso à profissão (como se o jornalismo fosse coisa que requeira altos pergaminhos de especialização académica, ao nível de outras profissões enquadradas por ordens profissionais, das quais a Medicina é, pela fragilidade que em todos incute a precariedade da vida, o mais recorrente dos exemplos: ser jornalista orientado por valores éticos e seguidor dos ditames deontológicos não requer saber científico, mas integridade, critério dificilmente aferível por um grupo de guardiões da pureza). De resto, ser bom ou mau jornalista depende de muitos factores, dos quais a qualificação prévia não é, necessariamente, o mais determinante. Se assim é, não há critérios simultaneamente objectivos e justos que permitam controlar o acesso à profissão.


Adiante. Tenho de ir jantar e o que eu quero dizer é muito simples. O comunicado do referido movimento, de acrónimo MIL, assenta em preocupações justas e vitais, para desaguar numa proposição de intenções que podia ser mais clara. A mim, aquilo parece uma comissão pró-ordem. E eu não preciso de uma ordem dos jornalistas para nada.

1 Comments:

Blogger altohama said...

«Não se é Jornalista sete ou oito horas por dia, a uns tantos euros por mês. É-se Jornalista 24 horas por dia, mesmo estando desempregado». Se não for possível deixar às gerações vindouras algum património, ao menos lutemos, nós os jornalistas, para lhes deixar algo mais do que a expressão exacta da nossa incompetência e cobardia. Porque não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar, permito-me a ousadia de tentar o impossível já que - reconheçamos - o possível fazemos nós todos os dias (o que mais me preocupa é o silêncio dos bons, como disse Martin Luther King).

12:49

 

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