Entre as coisas tristes que perpassam a vida de um cidadão encontra-se, tenho-o por certo, a fatalidade de ser de uma terra cujo presidente da Câmara se chama Rui Fernando da Silva Rio. Não que o assunto aqui chamado seja esse homem, em cujas preferências literárias, que não revela, talvez pudéssemos encontrar o entusiasmante POC, mas antes o que esse homem quererá fazer da Feira do Livro, nada menos do quer um remendo para a Avenida dos Aliados, para a qual, temos agora a certeza, não tem qualquer ideia.
Comecemos pela minha ida, hoje à tarde, à Feira do Livro do Porto, a última no Pavilhão Rosa Mota, antes de o cogumelo fechar para obras de requalificação. Entre outras coisas, comprei dois pequenos volumes no stand da Câmara Municipal do Porto. Paguei-os com plástico, recebi o talão da maquineta e fiquei, na expectativa, tão pasmado como as duas funcionárias que julgavam nada mais ter a dizer-me. Quando perguntei pelo recibo, miraram-se, atarantadas com a bizarra solicitação, até que uma, hesitante, lá disse que não tinham. Claro que reclamei. Expliquei que esse é o tipo de exemplo em que uma instituição pública não pode falhar, esperando depois que me apresentassem uma solução. A solução foi-me estendida em forma de bloco de notas quadriculado e esferográfica, para que eu mesmo anotasse o meu nome, morada, número de contribuinte e, até, o valor da transacção. "São as ordens que temos", desabafou, e lá lhe dispensei um sorriso desculpabilizador, se bem que não a tivesse culpado por ser o elo visível, provavelmente o mais frágil, de uma ferrugenta, mas sólida, cadeia burocrática.
Já em casa, vi que a televisão estava a fazer um directo a partir da feira. Um dos principais assuntos focados era a praticamente certa intenção de transferir o certame para a Avenida dos Aliados, já em 2008. Já aqui disse, noutra ocasião, que a ideia me parece fraca. Na verdade, creio tratar-se de uma ideia sem pés nem cabeça. Não significa isso que, por ser no centro da cidade, a feira deixe de funcionar e não possa, até, ser um relativo êxito. Porém, a mudança de cavalo para burro é demasiado nítida.
Vejo na Avenida dos Aliados uma única vantagem: o metro. De resto, apenas problemas. É certo que, em tempos, a Feira do Livro já se realizou em frente aos Paços do Concelho. Porém, eram tempos em que o tráfego rodoviário era substancialmente mais reduzido, tempos em que a própria feira mobilizava muito menos expositores, tempos em que se publicavam muito menos livros, tempos em que, enfim, se lia muito menos, por pouco que hoje se continue a ler. Agora, teremos uma feira perfumada com gases de escape, musicalmente animada por orquestras de buzinas e, provavelmente, abençoada pela chuva, que algumas mentes iluminadas acreditam ser uma tradição. Quem quiser estacionar já não terá um parque mesmo por baixo do pavilhão. Quem quiser ir à casinha terá de se servir dos cafés - se houver cafés abertos -, ou talvez a Câmara providencie latrinas de plástico...
Não será na Avenida dos Aliados que haverá espaços dignos para conferências, debates, enfim, para essas futilidades que os nefandos intelectuais associam aos livros. Não será nos Aliados que as famílias serão chamadas à leitura, pois quem tiver crianças estará mais empenhado em afastá-las dos perigos, designadamente do trânsito, do que em cativá-las para as letras, se algum interesse nisso houver.
Bem sei que a Feira do Livro de Lisboa é ao ar livre, mas o Parque Eduardo VII é minimamente resguardado. De qualquer modo, o ideal, na minha opinão (em que opinião haveria de ser?...), é que estas feiras se realizem em recintos cobertos. À falta destes, outras soluções haveria. Nem era necessário sair do Palácio de Cristal. A zona da avenida das Tílias seria perfeita e, se a Câmara tivesse algum empenho na feira, promoveria a articulação desta com a Biblioteca de Almeida Garrett, ali à mão de semear. Mas não. O que interessa é dar serventia aos empedrados Aliados. Claro que interessa, mas martirizar a Feira do Livro não é solução, pelo menos para quem gosta de ler.
2 Comments:
Olhe que, antes de ser na agora Praça Humberto Delgado, a Feira do Livro era na Praça da Liberdade,
nos finais dos anos 60.
E antes de ser no "cogumelo", ainda passou pela Rotunda da Boavista.
Mas também não gosto do Dr. Rio.
Elisabete Neves
23:58
Sim senhora, sei perfeitamente disso, andei por esses sítios todos, umas vezes mais pequeno, outras mais crescido... Mas não retira ou acrescenta nada ao que eu quis dizer. Obrigado pela participação.
11:06
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