Portugal definhado define-se nessa sondagem do Porto Canal, de que hoje dá conta o “Público”, segundo a qual 70% das almas que povoam a Área Metropolitana do Porto são contra a fusão do Porto com Vila Nova de Gaia. É o país paroquial de horizontes esgotados ao fundo da rua, que recusa a regionalização e valoriza um municipalismo destinado a transformar elites de bairro em escóis concelhios, distribuidores de medalhas e de licenças de construção.
A ideia de levar a cabo um estudo destes na Área Metropolitana pode parecer descabida, atendendo a que assim se estende a gentes demasiado alheias ao conglomerado urbano em torno da Invicta, a quem pouco importarão a subtilezas administrativas de onde o Douro abraça o mar. A não ser que – e isso já é relevante – a resposta desfavorável traduza medo de ficar sob a alçada de um novo monstro centralizador.
Traduzidos em notas de cinco euros, os gaienses que, estando fora, dizem a toda a gente que são do Porto representariam gorda fortuna. E não o fazem, diz-me a experiência, por qualquer vergonha em relação a Gaia, mas porque os habitantes do núcleo urbano da cidade vivem como sendo do Porto, já que do Porto são. É assim normal com todas as periferias que se juntam à cidade, devido ao crescimento nos dois sentidos, mas o caso de Gaia nem aí se enquadra, uma vez que sempre houve natural articulação e coincidência identitária entre as duas margens do rio.
A única forma de as regiões exorcizarem o fantasma centralizador da capital é conseguirem assumir rumos próprios, viver os próprios riscos, vencer as próprias dificuldades. Isso apenas poderá fazer-se sem medos de proximidade como o que a referida sondagem parece traduzir. A mesma sondagem, sem que essa seja a intenção, tropeça ainda naquele que será o mais inextricável problema ao nível da administração local ou regional: os protagonistas. Pergunta-se quem quereriam os inquiridos ver à frente da reforçada cidade e, sem surpresa, lá aparecem os nomes do costume. Sem que tenhamos de os anatematizar, devemos ter como horizonte a renovação das figuras, algo que as lógicas partidárias sempre dificultarão: há os que trabalham localmente para alimentar ambições nacionais, como Rui Rio ou Luís Filipe Menezes, há os que trabalham localmente onde quer que seja, e é vê-los aí à cata de oportunidade... não se passa disto.
O futuro das populações dependerá sempre de um equilíbrio, difícil de encontrar, entre as ambições de bairro e a fidelidade cega a um conceito de Estado macrocéfalo. Criar regiões administrativas é importante, mas, já aqui se escreveu, dificilmente resultará sem uma reforma administrativa profunda, que passe por repensar, extinguir ou reenquadrar municípios, que passe pela efectiva busca de resultados e não pela desenfreada criação de cargos para alimentar clientelas.
Não perceber isto é hipotecar o futuro, e, como a iniciativa terá de vir de cima para baixo, a não ser que estejamos a postos para um processo revolucionário (não estamos), tal hipoteca é sempre o mais provável dos panoramas.
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