É claro que os rapazes são vergonhosamente perdulários, é verdade que o Hugo Almeida estava fechado à chave no wc, no dia em que passaram os distribuidores de inteligência, é notório que o Jorginho não tem força para estar em campo. Salta aos olhos que, por melhor que joguem, só por acaso dão com a baliza. Mas, num jogo que lembrou o antigo fosso entre grandes e pequenos, com o Vitória de Setúbal a jogar apenas para o empate e a contar com a indigência dos nossos, há outro responsável pela triste figura. O tal disciplinador, que anda sempre a castigar jogadores e que há semanas diz que há um problema com a finalização, mas ainda não soube fazer aquilo para que lhe pagam: resolvê-lo.
Angra do Heroismo, Terceira
Este blogue esteve algum tempo em doca seca para proceder, como verificaram, a reparações no casco. É apenas um "face lifting", para usar terminologia mais sofisticada, ou um "peeling" (esta é para a Lili Caneças entender, caso por cá passe). Espero que gostem, ou seja, que consigam ler o que aqui for despejando.
Casa dos "bolinhos de amor", EN 15, Penafiel
Onde estou há gente, vozes, berros, por vezes, telefones a tocar, televisores ligados para ninguém. De quando em quando, uma gargalhada. Rostos sorridentes, rostos carrancudos. Sempre o ruído da maquinaria informática, subtil e persistente a limar os ossículos do ouvido. Há luzes fluorescentes, ar condicionado, fumo. O meu e o dos outros. Temos janelas mas vemos paredes, houve já quem se lembrasse de regar plantas de plástico, falsas como o chão e como o tecto. Papéis muitos, de jornal e de outras gramagens, amontoados aqui, alinhados acolá, escritos, rabiscados, imaculados...
No meu monitor há outros ares, flores verdadeiras, chão de pedra, banco corrido. A imagem do meu "desktop", que vai variando, é agora esta que vos mostro, mais uma roubada com o telemóvel (sempre aquilo serve para alguma coisa). Faltam os ditos "bolinhos de amor" e a garrafa de verde branco caseiro, isento dos rigores normativos que, às vezes, também servem para estragar o vinho. Comi-os e bebi-o.
Nota: a imagem foi feita por mim, em colaboração com o olhar do J. Paulo Coutinho, que também partilhou o capricho gastronómico.
Talvez um dia consiga, querido Pai, escrever o texto que aqui falta. Ao cabo de vinte e quatro anos de uma saudade sem medida, não sei ainda fazê-lo.
Metro do Porto, estação de Faria Guimarães
Praça de D. João I, Porto
Rua de Gonçalo Cristóvão, Porto
Mais três exemplos desta nojice que a nossa sociedade alegremente ignora. Primeiro, uma das mais novas estações do metro, obra tão importante que está a modificar tantas vidas, incluindo a minha. Depois, a Foto-Cine, ao lado do sítio onde em tempos estava a melhor loja de discos do Porto, a Tubitek. Finalmente, uma esquininha do edifício do "Jornal de Notícias", onde, como compreenderão, passo com assinalável frequência.
Encurralado, numa sala sem janelas, vi avançar para mim um gigantesco bolo-rei que se esfarelava, gritando: "Sou o pugresso! Sou o pugresso!...". Consegui escapar por pouco, esgueirando-me, não sem arrancar, pelo caminho, algumas das cascas de laranja que envolviam a tremenda criatura. Acordei empapado em suor, lá fora chovia, tudo era sombra. Depois do banho, voltei a espreitar a rua, vi raios de sol que cortavam as nuvens, resistentes ao domínio do cinzentismo. Deles extraí a força para sair de casa.
Casa da Música, Porto
Há coisa de três anos, fiz, de comboio, a viagem entre Frankfurt am Main e Leipzig. Numa Alemanha reunificada, a janela de um pendular revelou-se, também, a montra de uma clara clivagem, uma divergência entre fantasmas que permanecem vivos, o gordo ectoplasma da RFA e a escanzelada assombração da RDA. Vi-os com nitidez, mesmo não sendo dotado de excepcionais capacidades mediúnicas, revelados no assunto que aqui me traz: as pichagens.
A partir de determinado momento, o da entrada no que antes fora a Alemanha de Leste, todas as paredes que via da janela estavam pintalgadas com inscrições ilegíveis (e não argumento com o meu desconhecimento quase total da língua, de que apenas mantenho a estratégica frase “bitte, ein grosse bier”). Assinaturas amontoadas, palavras cifradas, cores vivas e deslavadas. Por tudo o que não importa aqui desenvolver, as marcas dessa coisa a que chamam “cultura hip-hop” estão, ali, umbilicalmente ligadas aos fenómenos de pobreza, desemprego, descontentamento...
Rua da Boa Viagem, Caminhos do Romântico, Porto
Lá como cá. Há dias, dei com a primeira pichagem na Casa da Música, que usei para abrir este texto. Captei, propositadamente para o efeito, mais alguns exemplos, que nem serão os mais graves, se é que a isto podemos aplicar um índice de gravidade.
Neste caso, as imagens têm, realmente, voz própria. Não será necessário, portanto, dissertar exageradamente sobre o que este vandalismo omnipresente significa, sobre o estado mental dominante a que aludi atrás, na noite das eleições autárquicas. Este tipo de comportamento denota falta de interesses, raiva social, vontade de afirmação mesmo que de uma forma negativa... Os meninos e meninas que fazem estas coisas são frutos deste mundo em que as pessoas se desobrigam, em que o individualismo é levado ao extremo mais negativo, em que os horizontes estão colados às pontas dos narizes.
Metro do Porto, estação da Casa da Música
Ou seja, também as pichagens resultam de problemas de fundo, transversais à sociedade, e resolvê-las implica resolver muita outra coisa. Mas, e até lá, se algum dia lá chegarmos? Estes actos de vandalismo resultam, também, da indiferença com que uma sociedade cega, surda e muda os encara. Há meninos e meninas que se entretêm a destruir coisas que são de todos ou que são apenas de alguns, mas qualquer de nós é candidato a ser o próximo “algum”. Falha o poder, falham as polícias, falhamos todos nós. Estas imagens são, como tantas outras, retrato da coisa sem nome nem forma que insistimos em ser.
Haja o que houver, seja em que circunstâncias for, VOTAREI CONTRA CAVACO.
"1. Brush your teeth, get a good bath, nicely groomed and clean and fresh, before meeting the other person. There's nothing worse than kissing the rear end of a garbage truck."
Este primeiro mandamento é claro e promissor, apesar de me ter remetido para os anúncios do inefável "Halazon", produto promotor do bom hálito (lembram-se?). French kissin' é mais um espaço do João Morgado Fernandes, autor do imprescindível Terras do Nunca, pelo que nada mais há a dizer.
You are the little prince.
Saint Exupery's 'The Little Prince' Quiz.
brought to you by Quizilla
Bem sei que isto está parado, bem sei que os testes do género servem para disfarçar a inactividade dos blogues, mas este, visto aqui, veio mesmo a calhar.
É com razão que muitos comentadores, entre eles todos os actores políticos que analisam resultados, acentuam o carácter especial de que se revestem as eleições para o poder local. Não o farão, eventualmente, pelas razões que me levariam a concordar. Os comentadores profissionais porque os empregos dependem de alguma contenção, os dirigentes partidários porque lhes importa mais dourar algumas pílulas que têm de engolir. Há quem possa dizer que as autárquicas valem por elas mesmas, por serem o paradigma da democracia em exercício. Eu valorizo-as pelo que revelam. Porque mostram Portugal sem grandes máscaras, o país tal como ele é.
Hoje, Portugal revelou-se um país tacanho, parolo. Um país onde a indigência mental é aceitável, onde todos sabem quem é o José Castelo Branco ou o Zezé Camarinha, onde poucos saberão responder à pergunta imbecil de quem era o presidente da República antes do 25 de Abril. Somos, como hoje conversava com o meu irmão, uma sociedade que valoriza a incoerência e menospreza a inteligência. É a sociedade dos 15 minutos de fama, dos machos latinos que se sujeitam a ser alindados por um "esquadrão gay" (acho que se chama assim), quando na vida comum talvez sejam os reis da homofobia, até porque tal lhes fica bem enquanto emborcam cerveja e comem caracóis com os amigalhaços. Somos a terra das pessoas que se apresentam como razoavelmente formadas e, num concurso em frente às câmaras, dizem sem vergonha que Adolfo Correia da Rocha era o verdadeiro nome de... António Lobo Antunes. Somos o país onde, entre manifestações da mais atroz boçalidade, o veredicto popular transforma em deuses Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro ou Isaltino de Morais.
Há-de haver, suponho, gente que caia no chavão de dizer que se envergonha da nacionalidade que tem. Eu não tenho vergonha de ser português, mas tenho vergonha de não sermos capazes de fazer melhor. Envergonha-me que haja movimentos contrários à espantosa progressão que Portugal tem conhecido nos últimos trinta anos. Embaraça-me que, quando era suposto que ao marasmo de uma longa ditadura (provinciana, hermética e limitadora) se seguisse, com toda a naturalidade, uma libertação que tendesse para a elevação da cidadania, haja uma grande corrente antagónica, até contra-revolucionária, se entendermos revolução como o que realmente é, não apenas como um movimento político ou militar.
A contra-revolução é, acredito, movida em grande parte pelo mercado. Em especial, por um mercado particularmente complexo, do qual terei algum à-vontade para falar, que é o mercado da comunicação, porque comandado, com mais ou menos intensidade, por todas as dinâmicas do dinheiro, pedra basilar de todo o poder dos nossos tempos. E as linhas de rumo, do mercado mediático e da indigência, são movidas pela televisão. Dir-me-ão que a televisão que temos é a televisão que têm outros países, mais evoluídos e de gente mais qualificada, mas por as pessoas serem mais esclarecidas é que, provavelmente, não exercerá por lá a mesma influência que entre nós, o reino da iliteracia, do desinteresse, do desrespeito pelo próximo, do crédito para pagar o crédito, do carro bem artilhado à porta da casa onde tudo falta, do passeio domingueiro em fato de treino garrido, da estante com livros dados pelo jornal e nunca abertos, da parabólica pendurada na marquise, do telemóvel estridente em cima da mesa, da chave do carro em cima do telemóvel estridente em cima da mesa, do pente no bolso de trás das calças, da mão oscilante no bolso da frente das calças, do arroto entre gargalhadas, do traque entre gargalhadas, do piropo alarve às meninas que passam, do cheiro a sovaco no autocarro apinhado, do cabelo gorduroso e da unha que se destaca no dedo mindinho...
É a televisão que faz tudo isso? Tudo, talvez não. Mas faz muito. Em vidas cujo único interesse é fixar os olhos no que os programadores impingem, a televisão surge, sem dúvida nenhuma, como a grande entidade formadora, detentora de toda a verdade, produtora de toda a santidade. E assim é porque, funcionando ao abrigo de estratégias exclusivamente comerciais, desenvolveu técnicas de captar audiências sem sequer se pensar à custa de quê. Quem lança um programa em que meia dúzia de pimbalhões andam a ter treinos pseudo-militares pode, certamente, argumentar que quem não gosta pode mudar de canal ou desligar o aparelho. Mas a verdade é que esses programas são pensados para que o público-alvo, que é cada vez maior, seja incapaz de mudar de canal ou de desligar o aparelho. A teledependência é, sabem-no bem os que têm de apresentar bons gráficos de audiências aos accionistas, limitadora do livre arbítrio e condicionadora das vontades. E os produtores de conteúdos trabalham a teledependência com tanto afinco como um químico ligado ao narcotráfico, que gaste os dias e as noites à procura da molécula alucinogénea que crie dependência absoluta à primeira toma.
Atrás das televisões vai a Imprensa, uns mais, outros menos. Porque há sempre públicos-alvos e porque há sempre a necessidade de vender. Por isso é que determinadas publicações, lixo em letra de forma, são sucessos de vendas. É certo que Inglaterra, por exemplo, é o paraíso dos tablóides, mas eles não são dez singelos milhões, isto é, o peso da mediocridade acaba por ser menos influente no todo social. Nós somos poucos, sempre fomos poucos, e isso faz com qualquer oscilação influa no quadro geral de forma bem visível. Ou seja, uma porcaria de um "Big brother", de uma "Senhora dona lady", de uma "1.ª Companhia" ou do diabo que os carregue constitui, num país como o nosso, uma influência muito mais pesada. Se somarmos tudo isso, muitas horas por dia, todos os dias, durante uma série de anos, chegamos mais facilmente à pusilanimidade que nos domina.
Combater este estado de coisas é tarefa demasiada. Estas gerações de boçais produzem, sistematicamente, novas gerações de boçalinhos, alimentados exclusivamente de hamburguers e consolas de jogos, sem qualquer tipo de diálogo com quem os educa, em casa ou na escola (mais em casa do que na escola, evidentemente, pois a escola raramente tem condições para compensar os males causados por pais que se desobrigam). Obesos, rudes, agressivos, ignorantes...
Eu poderia ir por aí fora. Claro que, ao traçar este perfil de um determinado grupo, mesmo sendo um grupo cada vez mais vasto, não quero dizer que este é um país sem esperança, onde todos são medíocres. Claro que isso não é verdade. Mas é essa a sociedade que nos é mostrada pelas eleições autárquicas. Concelho a concelho, freguesia a freguesia, muito mais haveria a dizer, provavelmente. Mas chega, para compreender o estado das coisas, ver que este é o país que elege, aclama e dá notoriedade especial a Isaltino de Morais, Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras. Não porque sejam inocentes ou culpados, a Justiça o determinará, caso funcione. Mas porque são sintoma de uma sem-vergonhice que entre nós é regra, simplesmente ao quererem branquear situações em que se viram envolvidos à custa de pretensos julgamentos populares, levados a cabo por gente que, queiramos ou não, não sabe bem o que quer porque sabe pouco de nada. No caso da senhora, então, o escândalo é completo: como justificar a aclamação popular de uma sujeita que fugiu à justiça, valendo-se de fugas de informação, de um estatuto de dupla nacionalidade e dos meios que lhe permitiram subsistir dois anos no quentinho brasileiro?
Respondam vocês, ou ainda me ponho para aqui a escrever que somos um país da treta, uma república dos (é mesmo "dos") bananas, um reino do faz-de-conta. Não me apetece, apesar de já o ter feito. Cada um que pense o que quiser.
P.S. - No Porto, a reeleição de Rui Rio, perfeitamente esperada, apesar do crescendo protagonizado pelo PS, significa uma aposta do eleitorado naquilo que se conhece, ou seja, numa visão limitada do papel da cidade no país e no mundo, numa estatura política meramente técnico-administrativa e numa incapacidade inquebrantável de compreender as opiniões contrárias. Tudo isso, com muita propaganda a uma imagem de seriedade (os virtuosos não têm de se gabar da virtude, digo eu) e, ainda, construindo uma imagem que agrada ao exterior, com polémicas pacóvias, como a questão das Antas ou a guerra contra o Governo, inventada pelo autarca em torno do chamado Túnel de Ceuta (como se a cidade estivesse dependente de um túnel...). Assis seria, eventualmente, um tiro no escuro. Suponho que, daqui a quatro anos, o Porto ainda cá estará. Veremos se continuará parado, como até aqui. Mas isto merece, se calhar, um tratamento mais cuidado.
Amarante, 2005, Outubro, 1
Em tempo de grandes causas, como reparar nos pequenos? Por falar em pequenos, é um líder político nacional que está, algures à direita, a suscitar as atenções de tão erectas pernas. O pedinte, um toxicodependente que já nem saberá de onde vem, muito menos para onde vai, quase foi pisoteado pelos que se acotovelavam para escutar as grandes coisas que ali se diziam. Eu já tinha ouvido todo o palavreado de circunstância do político. Pude ficar fora da molhada. Pareceu-me ver ali uma metáfora daquilo em que nos transformámos. Tão anestesiado, o homem estendia a mão aberta a tudo o que em torno dele mexesse, até aos pés que quase o atingiram. Ele é apenas um pobre diabo, encostado à entrada de uma ponte. Ao lado, falava-se de grandes coisas, mas quem se preocupa com a imagem global não pode perder tempo com pormenores. Os pormenores morrem, abandonados, como parcela residual numa estatística qualquer.
Nota: a fraca qualidade da imagem prende-se, afinal, com uma evolução técnica deste blogue: finalmente, comprei um telemóvel com máquina fotográfica, o que, com sacrifício da resolução, permitirá, eventualmente, que aqui sejam usados instantâneos que, de outra maneira, não existiriam.