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Casa da Música, Porto
Há coisa de três anos, fiz, de comboio, a viagem entre Frankfurt am Main e Leipzig. Numa Alemanha reunificada, a janela de um pendular revelou-se, também, a montra de uma clara clivagem, uma divergência entre fantasmas que permanecem vivos, o gordo ectoplasma da RFA e a escanzelada assombração da RDA. Vi-os com nitidez, mesmo não sendo dotado de excepcionais capacidades mediúnicas, revelados no assunto que aqui me traz: as pichagens.
A partir de determinado momento, o da entrada no que antes fora a Alemanha de Leste, todas as paredes que via da janela estavam pintalgadas com inscrições ilegíveis (e não argumento com o meu desconhecimento quase total da língua, de que apenas mantenho a estratégica frase “bitte, ein grosse bier”). Assinaturas amontoadas, palavras cifradas, cores vivas e deslavadas. Por tudo o que não importa aqui desenvolver, as marcas dessa coisa a que chamam “cultura hip-hop” estão, ali, umbilicalmente ligadas aos fenómenos de pobreza, desemprego, descontentamento...
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Rua da Boa Viagem, Caminhos do Romântico, Porto
Lá como cá. Há dias, dei com a primeira pichagem na Casa da Música, que usei para abrir este texto. Captei, propositadamente para o efeito, mais alguns exemplos, que nem serão os mais graves, se é que a isto podemos aplicar um índice de gravidade.
Neste caso, as imagens têm, realmente, voz própria. Não será necessário, portanto, dissertar exageradamente sobre o que este vandalismo omnipresente significa, sobre o estado mental dominante a que aludi atrás, na noite das eleições autárquicas. Este tipo de comportamento denota falta de interesses, raiva social, vontade de afirmação mesmo que de uma forma negativa... Os meninos e meninas que fazem estas coisas são frutos deste mundo em que as pessoas se desobrigam, em que o individualismo é levado ao extremo mais negativo, em que os horizontes estão colados às pontas dos narizes.
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Metro do Porto, estação da Casa da Música
Ou seja, também as pichagens resultam de problemas de fundo, transversais à sociedade, e resolvê-las implica resolver muita outra coisa. Mas, e até lá, se algum dia lá chegarmos? Estes actos de vandalismo resultam, também, da indiferença com que uma sociedade cega, surda e muda os encara. Há meninos e meninas que se entretêm a destruir coisas que são de todos ou que são apenas de alguns, mas qualquer de nós é candidato a ser o próximo “algum”. Falha o poder, falham as polícias, falhamos todos nós. Estas imagens são, como tantas outras, retrato da coisa sem nome nem forma que insistimos em ser.
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3 Comments:
Viva,
Parece um problema menor mas não é! O graffiti é um dos maiores males actuais no que toca à qualidade visual das cidades. Direi que é revoltante ver que há pessoas que não têm o menor sentido de civismo.
Recentemente vi o atentado à beleza nas... escadas da torre dos Clérigos... enfim!
Como resolver? Mais aulas de cidadania? Mais repressão? Não sei o que dizer...
Abraço,
06:17
Alguns chamam-lhe arte urbana, estes exemplos, para mim, não passam de apenas mau gosto, falta de respeito pelo próximo, aliada a uma grande dose de falta de educação.
11:27
pois é parece que temos filósofo!
posso compreender até certo ponto as suas afirmações,agora nao generalize a cultura hip hop, não sabe não fala, várias universidades mundiais têm cursos relativos a esta cultura!!
há pessoas que vão na rua a cobiçar as maes,mulheres, filhas e bens materiais dos outros,há outras que olham para as paredes e fazem coisas que mais ninguem faz.
a cidade é monótona a quem lhe der cor e piada e há quem a destrua.
ao menos falou em hip hop, sim cultura falou bem.A mesma cultura que tira crianças da rua nos bairros do porto e os impede de roubar o telemovel do seu filho enquanto ele vê os morangos com açucar e fantasia em ser um writer.
A mesma cultura que já deu força para muita gente sair da droga.
A mesma cultura que no futuro será reconhecida como um movimento artístico dos quais sairam poetas que usam metáforas como ninguém e inclusivé não têm medo de escrever mais que 4 versos.
A mesma cultura que influencia o design gráfico mundial , que pode constatar em qualquer publicidade ou cap de revista.
E posso continuar por aí fora...
Respeito a sua opinião mas quando começa a insultar uma cultura começa a insultar-me a mim.
O Graffiti tem a sua parte de vandalismo que lhe é inerente desde a sua origem.Não vou nega-la, aceito-a em parte.
enfim.
Preocupe-se com a casa pia,com o caso freeport, com a valorização de terrenos após serem comprados por políticos,com os videoclips que passam na mtv, com a má influencia que a tv tem nas crianças, com o eguismo da sociedade, com o individamento das familias portuguesas, com a má qualidade de ensino nas faculdades portuguesas, com os que entram em direito com média de 11 e 500 euros por mês, com o aumento do imposto automóvel aliado a um financiamento à mesma indústria, preocupe-se com muita coisa menos com o graffiti, antes uma lata que uma arma.
melhores cumprimentos.
Numa parede perto de todos.
15:29
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