0 comments | sexta-feira, julho 29, 2005

Neste momento, está a ser fechada a que se anuncia como última edição de "O Comércio do Porto". Muito haveria a dizer sobre o tema, conversa inconsequente, por certo. Só posso dar conta do negrume que cobre a gente dos jornais quando uma coisa destas acontece. E lamentar que as gentes da cidade, tão e bem empenhadas noutras causas, tenham deixado escapar esta. Resta-nos esperar que o mal tenha remédio. Pelo emblemático título, por uma cidade que precisa de vozes, pelos que ainda agora trabalham, de alma e coração, para que o jornal esteja amanhã nas bancas. O sentimento também se aplica, mesmo que sem a marca da proximidade, ao destino anunciado para "A Capital".

0 comments | quinta-feira, julho 28, 2005

Foto de POS
Bom tempo no Canal, com o Faial ao fundo

Onde estás sorrio
e vejo-me na tua boca

Onde estás respiro
aquecido no teu bafo

Onde estás resisto
firmado na tua força

Onde estás caminho
ao lado dos teus passos

Onde estás descanso
embalado nos teus braços

mas não estás,
na fria noite
onde sou sozinho

(faço lume da lembrança
de um abraço estreito)

Refaço o peito
Na certeza de saber
Que onde estás existo.

0 comments | sábado, julho 23, 2005

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Mas que defesa é aquela, deuses? Será que vamos começar a ganhar jogos por 7-5 ou 9-6?... É que o ataque promete.
Seja como for, A TAÇA É NOSSA!
(já que "A Bola" costuma dar destaque às taças que os inomináveis ganham,
nos jogos a feijões, também aqui é admissível essa linha editorial...)

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Dou uma volta por vários blogues da nossa praça, daqueles que opinam, e muito bem, sobre tudo. Vejo que até têm postado ao longo do dia. Mas ainda não vi uma linha sobre os atentados no Egipto. Por que será? Porque morreram mais egípicios do que ocidentais? Porque "quando as bombas rebentam lá na terra deles não nos dizem respeito"? Porque eu estou a ver mal?...

1 comments | sexta-feira, julho 22, 2005

Foto de POS
Horta, Faial

Escrever com os pés, com os pés pensar, equívocos de frases feitas feitos. É provável que nos pés more a verdadeira sabedoria, nos pés da alma que insistem em levar-nos caminhando pelas horas sucessivas da vida, quando não vemos a vereda em que seguimos para lá do imediato onde estamos. Os olhos fecham-se à possibilidade de um farol que mostre o rumo, os ouvidos tapam-se ao uivo da ronca cortando o nevoeiro, as ideias fundem-se no torpor de uma continuidade pardacenta. Mas os pés, aqui firmes, ali trôpegos, sabem da necessidade de andar, levam-nos ao que nos espera e não vislumbramos. Chamem-lhe destino, chamem-lhe fatalidade. Chamem-lhe inevitabilidade. Nem os pés lhe conhecem o nome, mas é para lá que seguem.

0 comments | quinta-feira, julho 21, 2005

"No jornal, só leio duas coisas: os mortos e o horóscopo", fez saber a minha vizinha de café, em conversa matinal com a proprietária. Com a discrição de quem ainda tentava acordar, isto é, com pouca, não resisti a tirar a pinta à mulher, logo concentrando-me, em fraca atitude de disfarce, na minha dose de cafeína com nicotina. Além de tomar exactamente o mesmo que eu, café e cigarro, era generosa de carnes, vestia bata e poderia muito bem ter saído à rua com os rolos postos na cabeça. Não o fez, é certo, nem tal me diria respeito. Como, à partida, terei de ter como legítimos os hábitos de leitura da senhora. Ela, como milhões, representa a forma de estar dominante destes tempos, ditada pelos tablóides, pela televisão comercial e pelo consumismo como valor supremo da vida. Coisas que, claro, estão intimamente ligadas. A nova forma de aprimorar os hábitos de leitura são os jornais gratuitos, folhas de alface que dão ao português corrente tudo o que ele precisa. Meia dúzia de títulos, alguns resultados de futebol e a programação da TV. Invadem as cidades, integrados em estratégias de lucro e competição mais abrangentes, e ajudam a embrutecer o que já de si é bruto. Quem faz essas coisas, como quem faz a televisão popular, apenas quer ser competente na busca do sucesso comercial. Querem lá saber se, por causa do que fazem, contribuem para afundar ainda mais esta choça. Há estrategos muito competentes que, ao fim e ao cabo, são os verdadeiros brutos.

2 comments | terça-feira, julho 19, 2005

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Foto de J. Paulo Coutinho

Tenho adiado um pouco a ideia de postar aqui sobre a polémica em torno da alegada requalificação da Avenida dos Aliados, feita a reboque de duas circunstâncias: o metro do Porto e um conflito íntimo vivido pelo poder autárquico, entre a necessidade de deixar obra visível, à porta de novas eleições, e uma provável incapacidade de fazer obra decente.

O que atrás deixei escrito está na base do que adiante escreverei, mas se hoje me decidi a fazê-lo, depois de passar os olhos por um texto do blasfemo Gabriel Silva, devo reconhecer que o faço tardiamente e que, na blogosfera portuense há muito a ler sobre o assunto, com destaque para o excelente trabalho de cidadania que está a ser desenvolvido por Manuela Delgado Leão Ramos e, incontornavelmente, pelo vivo fórum de discussão que é A Baixa do Porto.

Voltando à linha que determinei, a das duas circunstâncias, começarei por falar no metro, isto é, na estação que está a ser ultimada e que tanta polémica tem levantado, em pleno coração da avenida. Várias pessoas têm argumentado que, havendo uma estação um pouco mais acima (Trindade) e outra um pouco mais abaixo (Praça de Almeida Garrett, junto à Estação de S. Bento), a obra em curso na Avenida dos Aliados é consequência da tendência despesista que tanto tem sido apontada a este país. Inútil é, provavelmente, o adjectivo que mais tem sido aplicado. À primeira vista, esse tipo de argumentação tem a sua lógica, mas não vejo ninguém a cruzá-la com a lógica que, desde a primeira hora, presidiu à concepção/execução desse grande projecto que é o metro ligeiro do Porto: a intermodalidade.

Ou seja, há três estações de metro muito próximas, mas todas elas têm funções específicas e diferentes. Na Trindade, temos a estação principal da rede de metro, onde se cruzam a linha azul/vermelha e a linha amarela, ponto fulcral do funcionamento da própria rede. Na Estação de S. Bento, escusado seria dizê-lo, teremos a ligação aos comboios. Na Avenida dos Aliados, last but not least, a ligação a uma enorme quantidade de autocarros da STCP, rumo a quase todos os cantos da cidade (não me parece viável tirá-los dali...). A intermodalidade, note-se, pressupõe a agilidade da relação entre vários tipos de transportes públicos, que o utente utiliza com um único título de transporte, pelo que a proximidade das ligações é crucial.

Parece-me que, vendo as coisas dessa maneira, a estação não será tão inútil como isso, os futuros utentes melhor o dirão. Portanto, no que respeita ao metro na Avenida dos Aliados, para que estejamos conversados, terei apenas que fazer uma curta lateralização argumentativa. Como sempre, há pessoas que, por mais voltas que se dêem, caem na discussão dos custos. Claro que essa não é a minha especialidade, mas, se bem que considere o rigor imprescindível na gestão da coisa pública, parece-me que o espírito de mercearia é um dos mais frequentes obstáculos ao progresso. Puxo para aqui porque há quem critique a estação da polémica por causa dos custos (funcionamento, desgaste do material, etc.), além do atraso que uma paragem significa na circulação das composições (um minuto?!...). Ora, por causa dessa argumentação dos custos, andam a desenterrar a ideia de que o metro deveria ter sido desenterrado, felizmente posta de parte. Não quero alongar-me nisto, porque já não se volta atrás, mas seria uma aberração "animar" a sala de visitas da cidade com um vaivém de comboiinhos. Além de que isso, sim, significaria lentidão acrescida, o que pode ser confirmado por quem quer que já tenha utilizado o meio de transporte em causa. Na realidade, não se trata de um metro, na verdadeira acepção da palavra, mas também é mais do que um simples eléctrico rápido. Trata-se de um meio versátil que, nos troços subterrâneos, é mais do que suficientemente rápido, o que não acontece à superfície, excepto quando são usados antigos corredores ferroviários (uma viagem do Estádio do Dragão ao Senhor de Matosinhos é esclarecedora).

Daqui passo, finalmente, para a segunda circunstância a que me referi no primeiro parágrafo, o tal conflito íntimo vivido pelo poder político (nem estou a direccionar isto para Rui Rio, pois as obras da Porto 2001, apadrinhadas pelo anterior Executivo camarário, não ficam muito atrás). Pedi ao meu camarada J. Paulo Coutinho (notem que camarada é, desde os tempos oitocentistas, tratamento comum entre as gentes dos jornais e das letras) uma foto da Avenida dos Aliados para ilustrar este post. Escolhi a que viram, um pormenor da nossa querida calçada portuguesa que está a ser trocada por granito. É, naturalmente, uma forma de protesto, mas um protesto na retranca. Não sei porquê, ainda admito que a avenida do chamado "dream team" (Álvaro Siza e Souto de Moura) possa ser como a água tónica (um sabor de que se aprende a gostar) ou como a coca-cola (primeiro estranha-se, depois entranha-se). Confesso que, à partida, penso que não, mas só a prova do tempo me permitirá ter mais certezas.

É que, ainda e sempre, a verdadeira natureza do problema continua a ser ignorada. Ou seja, quando estamos a defender a manutenção de árvores e jardins, estamos a defender o quê? Em primeiro lugar, claro, estamos a defender algo que é vital e que é vida. A relva, as flores, as belas magnólias da Praça da Liberdade são, por mais que o ignoremos, pilares da nossa qualidade de vida. Só o compreendemos, muitas vezes, quando elas já não estão lá. Mas, em segundo lugar, o que é a qualidade de vida da Baixa portuense? É um grande buraco, bem maior do que o que foi aberto para fazer a tal estação do metro. É de uma inocência atroz (na verdade, nem há nisto inocência, o que torna a coisa mais atroz ainda) pensar que a mudança urbanística transformará o eixo Praça do General Humberto Delgado-Avenida dos Aliados-Praça da Liberdade num espaço de lazer devolvido aos cidadãos. Porque, para tal, é necessário que haja cidadãos. Cidadãos que morem na Baixa, cidadãos que vão à Baixa fazer algo mais do que ir ao banco ou apanhar o autocarro de volta para a periferia, cidadãos que sejam a cidade.

Em todo o lado, no mundo ocidental, houve um sentimento gregário na origem das cidades. Além da busca de novas formas de vida, em especial na recuperação da reorganização europeia ao cabo daquilo a que se chama a crise tardo-medieval, as pessoas juntaram-se, cada vez mais, para encontrar todos os tipos de segurança e solidariedade que a vivência comunitária proporciona. Ora, seja calçada portuguesa ou granito, a Avenida dos Aliados nunca poderá ser, nas circunstâncias presentes, um verdadeiro espaço de lazer. Nem de dia, porque não há nada para fazer na Baixa, além de dar milho aos pombos, nem à noite, porque quem tem cu tem medo, ou seja, porque a desertificação resulta em perigo. Também neste particular, Portugal teima em não querer aprender com os espanhóis, que têm em todas as cidades centros dinâmicos, com gente que lá vive e convive, com comércio vivo, com boa oferta de lazer...

Neste país que é o nosso, a lei do chico-espertismo faz com que empreiteiros e afins enriqueçam nas periferias (pois, lá viria aqui mais uma dissertação sobre o financiamento das autarquias, que potencia todo o fenómeno...), enquanto as cidades definham sem que haja verdadeiras estratégias que ponham cobro ao problema. Pensar nisto é, na minha opinião, muito mais importante do que o TGV, o aeroporto na Ota, a idiotice de querer fazer Jogos Olímpicos em Lisboa ou a idiotice que levou à construção de estádios em Leiria e Faro (os exemplos mais injustificáveis). No caso do Porto, devia haver um esforço de emergência, um esforço de gerações, para devolver gente não apenas à Baixa, mas também ao carcomido núcleo histórico (a zona que antes era abraçada pela muralha do século XIV, isto é, Cividade, Pena Ventosa, Olival, Miragaia, Ribeira). Gente de todos os tipos, isto é, nunca caindo numa de duas asneiras: criar apenas condomínios para elites ou fazer do centro histórico nada mais que um grande núcleo de habitação social.

Apontar metas é fácil, saber como se faz é mais complicado. Eu não sei. Mas parece-me disparatado pensar espaços para pessoas que não existem. O exemplo está mesmo ao lado, na Praça de D. João I: despida da desinteressante fonte luminosa que lá havia, está também despida de qualquer tipo de animação, além do trânsito diurno, apesar de oferecer todas as condições para ser um espaço privilegiado de convivência urbana. A Avenida dos Aliados de Siza e Souto de Moura caminha no mesmo sentido. E porquê? Porque, eis que termino mais um grande desvio para chegar onde quero, somos uma sociedade que vive da aparência. Rui Rio quer mostrar obra (tal como João Soares apressou um rearranjo do Rossio, antes de levar um balde de água fria nas eleições), mas não tem jeito para obrar.
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Correcção: olhando, hoje, para o que ontem escrevi, dei com uma asneira imperdoável, que já corrigi; a pensar na muralha medieval, construída nos reinados de D. Afonso IV, D. Pedro I e D. Fernando, pensei, claro, em século XIV, mas o quatro do "14", por algum tipo de dislexia do reciocínio, descambou em quatrocentista, o que significaria, evidentemente, século XV e um avanço de cem anos; aqui fica o pedido de desculpa.

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Desconfio que gripei o @€@§§€{[§£@¨¨£§€[ do motor do @£§€@{@[$%#$%# do carro...
Não estou bem disposto.

0 comments | segunda-feira, julho 18, 2005

Foto de POS
Vale Formoso, Covilhã, 18 de Julho de 2001

O sobressalto de um alarme no telemóvel, hoje de manhã, deu-me notícias de aniversário. "Tio Quim, 98", li no visor, e mais não fiz do que apertar o aparelho com força. O último aniversário que celebrámos do irmão mais novo da minha avó materna foi o 95.º, um ano depois da foto que mostro. Zarpou deste mundo antes de completar 97, despedimo-nos dele vestido no uniforme de sargento da Marinha. Nunca o conheci como tal, quero dizer, como sargento, ia fazer 60 anos quando nasci. Mas sempre vi nele uma firmeza que lhe adviria da vida militar, ou de ser de outros tempos, sei lá, ou dos genes, por que não?... Eu, que nada tenho a ver com tropas nem com alguns valores de antanho que seriam sagrados para este meu tio-avô, identifico-o sempre como o perfeito modelo de integridade, de honradez e de sentido de justiça.

Quando éramos pequenos - e eu sou o mais novo da primalhada em causa -, divertiamo-nos muito com o repertório de insultos com que o Tio Quim brindava aqueles que lhe pisavam os calos. Sem ordinarices, claro. Pulha era um termo recorrente, mas eu sempre me fixei na sequência-rajada "canalha, reles, ordinário". Era dócil e carinhoso, claro que à moda dele, e não comprava conflitos. Mas os aborrecimentos iam ter com ele, na vida de lavrador que abraçou para melhor saborear a reforma, geralmente por causa de invejas, muitas vezes materializados na falta de respeito pelo próximo, que, no mundo rural, significa um muro fora do sítio ou um caminho destruído, uma linha de água desviada ou fruta roubada de um pomar... Fosse como fosse, era respeitadíssimo lá na aldeia. Austero, digno. Digníssimo. Não era um homem jovial, nunca assim o vi, mas foi o mais carinhoso dos maridos ao longo de anos de sofrimento da amada Olímpia, a Tia Marquinhas que não pôde partilhar com ele os últimos anos.

Os setembros da minha meninice eram sempre ali passados, nessa aldeia fronteira a Belmonte, tocando os calcanhares à Serra da Estrela. Quando chegávamos, pouco demorava até que o Tio Quim chegasse com o cesto cheio da mais saborosa fruta do mundo. Era em casa dele que eu trepava a uma gigantesca figueira, aí ficando a tarde inteira a devorá-los, aos figos, quase até que me saltassem pela garganta.

Hoje, uma vez mais, não apaguei o lembrete que tenho no telemóvel. Havia em mim uma secreta esperança, talvez egoísta, de ver aquele homem chegar aos cem anos. Não sei se foi ele que não esteve para aí virado, não sei se a vida o traiu, não sei como serão os amanhãs. Ai de mim se soubesse dessas coisas.

1 comments | sexta-feira, julho 15, 2005

Foto de POS
Angra do Heroismo, Terceira

pensar o que não escrevo, escrever o que sinto, sentir o que não escrevo, escrever o que não penso
vou de folga de vou

3 comments | quarta-feira, julho 13, 2005

“Existem duas maneiras de ser imparcial: a do sábio e a do juiz. Têm uma raiz comum, que é a honesta submissão à verdade. (...) Chega, contudo, um momento em que os dois caminhos se separam. Logo que o sábio observou e explicou, dá-se por fim a tarefa. Ao juiz falta ainda dar a sentença. Se, calando em si qualquer inclinação pessoal, a dita somente de harmonia com a lei, julga-se imparcial. Sê-lo-á, efectivamente, segundo parecer dos juízes. Não segundo o parecer dos sábios. Porque não é possível condenar ou absolver sem tomar partido por uma tábua de valores que não releva de nenhuma ciência positiva. Que um homem tenha morto outro é um facto, eminentemente susceptível de prova. Mas castigar o assassino supõe que se considera o assassínio coisa condenável: o que, bem vistas as coisas, não passa de uma opinião em que não estão de acordo todas as civilizações.”

É a segunda vez que uso esta citação de Marc Bloch, um dos homens em que radica a chamada "Nouvelle Histoire", co-fundador, com Lucien Fèbvre, da revista "Annales...", fuzilado enquanto resistente ao nazismo. Uso-a, novamente, por causa do equívoco em que sempre tem assentado e, parece-me, continuará a assentar a forma como nós, ocidentais, lidamos com os que de nós diferem. Uso-a, agora, por causa do terrorismo. Uso-a por causa do modo ocidental de combater o terrorismo.

Antes de mais, quero tornar ponto assente que o terrorismo me repugna. Nem tenho de explicar porquê. Porém, perante vários textos que tenho lido na blogosfera, quero discorrer um pouco sobre o assunto, justificando desde já com o cansaço alguma ideia que possa parecer menos clara.

Do ponto de vista ocidental, o nosso ponto de vista, há alguns pressupostos que muitos querem tornar inquestionáveis, mas que me parecem frágeis, como qualquer pressuposto acaba por ser. Vou salientar dois deles: "nunca negociar com terroristas"; "combatê-los nos países que os acolhem e apoiam, para não termos de os combater em nossas casas".

O que se passou em Londres desmonta pela base o segundo desses argumentos, recorrente na argumentação da administração norte-americana que tem o rosto de George W. Bush. Os autores dos atentados eram cidadãos britânicos, muçulmanos, tão descendentes de imigrantes como qualquer cidadão dos Estados Unidos, índios à parte. Ou seja, Tony Blair teria de os combater em casa, porque é lá que eles estão, porque é em qualquer sítio que eles podem estar. Tem sido salientado, por muitos especialistas, que Al-Qaeda já deixou há muito de ser uma organização. É, de certo modo, uma profissão de fé, feita por grupos que surgem autonomamente, doutrinados por uma série de gurus que propagam a mensagem contra o Ocidente, na Internet ou noutro sítio qualquer. É algo que as armas dificilmente combaterão, algo que as armas certamente alimentam. Estes jovens podem ser ingleses, italianos ou suecos, de origem paquistanesa, árabe ou marroquina, mas têm em comum a intensidade da pertença à nação islâmica. São jovens que, a cada dia que passa, tomam conhecimento daquilo que, sob um determinado ponto de vista, são agressões ao Islão, seja em Israel, no Iraque ou onde calhar. São jovens que, sob esse mesmo ponto de vista, têm como mais sagrada missão, como razão fundamental das próprias vidas, a defesa do Islão. Pensam assim, são diferentes. Poderemos dizer que estão errados? Presunção nossa, eventualmente, pois implica que tenhamos a vaidade de nos julgarmos certos.

Enquanto o Ocidente casmurro não compreender que o que se passa em Nova Iorque, Londres, Madrid, Bali, Casablanca... passa pelo que se faz na Palestina, continuarão a rebentar bombas. Enquanto o Ocidente pensar que pode impor um regime ocidentalizado num país como o Iraque, continuarão a rebentar bombas. Enquanto o Ocidente quiser ter uma atitude colectiva de predomínio, à escala mundial, continuarão a rebentar bombas.

Terão os ocidentais de abdicar das coisas que os distinguem? Claro que não. Mas evitar que continuem a rebentar bombas pressupõe, antes de mais, humildade. Para as relações entre povos importam muitas das regras que devem pautar as relações entre pessoas. Respeitar a diferença, tentando entendê-la, é um desses princípios basilares, é algo que o nosso mundo, encabeçado pelos Estados Unidos, teima em não conseguir ou em não querer. E dessa teimosia releva o problema que é colocado pelo outro pressuposto ocidental que referi, o da recusa em negociar com terroristas. É evidente que, por um lado, os atentados, repugnantes atentados, são gestos criminosos com os quais não há que transigir. Porém, se fizermos uma tentativa não muito esforçada de os compreender, teremos de admitir que, para quem os perpetra, os atentados são actos de guerra. Enquanto a "war on terror" é travada com uso de sofisticada tecnologia bélica, a "jihad" é feita com bombas em redor da cintura ou dentro de uma mochila. Para nós, os suicídios em troca de uma elevação ao martírio não fazem sentido, mas só seremos inteligentes quando admitirmos que, para aquela gente, é algo que faz todo o sentido. E, se fôssemos capazes de nos abstrair dos preconceitos que enformam a nossa identidade cultural, entenderíamos que uma e outra postura são igualmente legítimas, porque igualmente repugnantes. Claro que a guerra (não a "guerra preventiva"), enquanto resposta a um agressor, é admissível, dentro da nossa escala de valores. Mas será assim tão difícil reconhecer que, também, eles sentem que estão a defender-se de alguma coisa?

Reconheço que "negociar com terroristas" é coisa complicada, por uma série de razões. Por um lado, isso afigura-se-nos como uma forma de pactuar com criminosos. Por outro, como o terrorismo é cada vez menos uma organização, como é possível negociar com terroristas? Como pode negociar-se com um conceito? Não pode. O que podemos, pela parte que nos toca, é tentar negociar com as nossas consciências. Só se o fizermos poderemos esperar que os outros o façam. Se pensarmos que os fundamentalistas islâmicos são meros inimigos do nosso "way of life", que preferem andar a matar inocentes em vez de ficarem quietos nas respectivas terras, nunca iremos a lado nenhum. Teremos de tentar entender, com humildade, o que os leva a rebentar bombas, a desviar aviões, a matar indiscriminadamente, tão indiscriminadamente como o fez o "presente" largado do Enola Gay, tão indiscriminadamente como fizeram os bombardeiros aliados sobre Dresden. E, se percebermos que a causa também somos nós, devemos ter a força necessária para mudar.

0 comments | domingo, julho 10, 2005

Foto de POS
Pontes vistas de Raiva, Castelo de Paiva

Ilustro este apontamento com duas obras que deviam ter sido feitas antes da razão que esteve por trás delas. Unem as duas margens do Douro, entre a freguesia de Raiva (Castelo de Paiva) e o lugar de Entre-os-Rios, na freguesia de Eja (Penafiel). Sobre isso todos estarão esclarecidos e não será preciso dizer mais nada. Ponho-as aqui, motivado pelo comentário que fiz a um texto do blasfemo PMF, em que um exemplo histórico foi usado para demonstrar as bases do despesismo público português. O dito exemplo, como verificarão se o forem lá ver, põe a tónica nos custos que envolvem pessoas, mas eu prefiro associar o desperdício a obras disparatadas. Poderão os liberais argumentar que está aí mais um argumento para justificar que tenhamos menos Estado, mas o que eu quero (haja esperança) é que tenhamos Estado com gente que possua verdadeiro espírito de serviço público.

O que é desperdício? É, por exemplo, querer fazer um aeroporto gigantesco na Ota, quando não se substituem pontes que estão a cair. É insistir que o TGV é estrategicamente essencial, num país que destruiu a rede ferroviária para sustentar os lobbies do betão com estradas irresponsavelmente concebidas (tempo de Cavaco) ou desnecessárias (tempo de Guterres). É ver que há ideia de montar uma candidatura de Lisboa à organização dos Jogos Olímpicos em dois mil e não sei quantos. E é muitas outras coisas, de menor dimensão mas sintomáticas da falta de verdadeiro espírito de cidadania entre a nossa classe política. Dou dois exemplos simples, ao nível local: a guerra de fogo-de-artifício entre os presidentes das câmaras do Porto e de Vila Nova de Gaia e, hoje mesmo, as disparatadas corridas levadas a cabo por Rui Rio em redor do Parque da Cidade.

Sobre o foguetório, poderão alguns (os próprios envolvidos, primeiramente) dizer que foi pago com o dinheiro de patrocinadores. Seja, mas ter uma porção de privados a dar dinheiro para queimar exageradamente, numa dispensável disputa de galos, enchendo os cofres de uma só empresa, não me parece factor de dinamização da economia. Por outro lado, não vejo privados a patrocinar o apoio aos que dormem na rua, não vejo privados a contibuir para que o centro histórico do Porto se aguente em pé e com vitalidade... Já as corridas dos popós antigos, naquilo a que tenho chamado "autódromo Rui Rio", são de bradar aos céus. Quando o poder local não faz nada de jeito pela cidade, em ano de eleições, toca a dar entretenimento ao povoléu, a ver se cola. Para isso, destrói-se obra feita para montar uma pista, que, depois, vai desfazer-se, voltando a pôr-se tudo como estava antes (suponho). A cidade ganhou muito com isso? Veio muita gente de fora? É ilógico que esta cidade, com tantas razões para ser atractiva, precise de eventos pontuais para chamar forasteiros.

Fazer grandes coisas não é, sempre, fazer coisas em grande, porque estas podem ser disparatadas. É na dificuldade de combinar dois elementos, a vontade de fazer e o acerto com que se faz, que reside, em grande parte, a tendência portuguesa para o despesismo.

0 comments | sábado, julho 09, 2005

"Bradar que «somos todos ingleses», que «a razão está do nosso lado e por isso venceremos» parece-me uma atitude tão idiota, por ineficaz, como desatar a bombardear o Iraque."

Para ler o texto completo no Terras do Nunca.

0 comments | quinta-feira, julho 07, 2005

Foto de POS
Claustro da Sé do Porto

Para quê falar aqui da fome e da miséria em África? Para quê lembrar aos senhores reunidos na Escócia que já nos idos de oitocentos houve outros senhores que se julgaram donos do Mundo, inventando países, juntando povos que sempre serão inimigos e riscando fronteiras a régua e esquadro, para que todos pudessem orgulhar-se dos respectivos impérios? Para quê lembrar que tudo começou a ser feito com a máscara de espalhar a Cruz pelos continentes? Para quê explicar aos senhores de agora, que nem lêem isto, que têm o dever moral de acudir a África, para remediarem o mal que sempre têm feito os países dominadores? Para quê explicar a essa gente, que só pensa na economia visando a preeminência, que os caminhos para a paz terão de ser outros? Mais vale contemplar o que de belo há no nosso passado, pois os que decidem nunca saberão olhar para trás em busca de ensinamentos.

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Foto de POS
Angra do Heroismo, Terceira

Para quê falar aqui de atentados? Para dizer que o terrorismo é a mais vil forma de guerra? Para dizer que os ocidentais têm de deixar de querer formatar os árabes sob padrões do Ocidente? Para dizer que os ocidentais têm de deixar de querer formatar quem quer que seja? Para dizer que é no Ocidente que estão as causas? Para dizer que é horrível ver inocentes morrer, seja em Nova Iorque, Madrid, Londres ou Jerusalém, porque os líderes mais poderosos continuam, de uma maneira ou de outra, armados em conquistadores? Vale mais a pena lembrar que há beleza neste mundo que andamos empenhados em destruir, vale mais ter uma atitude contemplativa, de quando em vez, do que destilar ódios que nem chegamos a compreender.

2 comments | terça-feira, julho 05, 2005

Foto de POS
Casa do Cabido, Porto

Há dois dias, que é como quem diz a 3 de Julho, cumpriram-se dois anos sobre o primeiro post que escrevi no extinto Cerco do Porto. É esse o aniversário blogosférico que aqui se assinala, pois o "Cerco", apesar de levantado, nunca foi destruído, mantendo-se ligado à Fonte das Virtudes desde que desta jorraram as primeiras gotas de prosa. Com os anjinhos, penitencio-me do esquecimento e, principalmente, das cíclicas securas que vão toldando este blogue.

0 comments | sexta-feira, julho 01, 2005

Sim, estou vivo. Nestes tempos, a minha cabeça está recheada de vários sanchos ao mesmo tempo, afonsos com fartura, henriques e fernandos, martinhos santos, o de Dume, principalmente, frutuosos, geraldos, com e sem pavor, roubos de cabeças de santos, etc. etc. etc. etc. Não sobra espaço, nesta cabeça com formatação medieval, para um post que seja. Tenham paciência!