2 comments | terça-feira, julho 19, 2005

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Foto de J. Paulo Coutinho

Tenho adiado um pouco a ideia de postar aqui sobre a polémica em torno da alegada requalificação da Avenida dos Aliados, feita a reboque de duas circunstâncias: o metro do Porto e um conflito íntimo vivido pelo poder autárquico, entre a necessidade de deixar obra visível, à porta de novas eleições, e uma provável incapacidade de fazer obra decente.

O que atrás deixei escrito está na base do que adiante escreverei, mas se hoje me decidi a fazê-lo, depois de passar os olhos por um texto do blasfemo Gabriel Silva, devo reconhecer que o faço tardiamente e que, na blogosfera portuense há muito a ler sobre o assunto, com destaque para o excelente trabalho de cidadania que está a ser desenvolvido por Manuela Delgado Leão Ramos e, incontornavelmente, pelo vivo fórum de discussão que é A Baixa do Porto.

Voltando à linha que determinei, a das duas circunstâncias, começarei por falar no metro, isto é, na estação que está a ser ultimada e que tanta polémica tem levantado, em pleno coração da avenida. Várias pessoas têm argumentado que, havendo uma estação um pouco mais acima (Trindade) e outra um pouco mais abaixo (Praça de Almeida Garrett, junto à Estação de S. Bento), a obra em curso na Avenida dos Aliados é consequência da tendência despesista que tanto tem sido apontada a este país. Inútil é, provavelmente, o adjectivo que mais tem sido aplicado. À primeira vista, esse tipo de argumentação tem a sua lógica, mas não vejo ninguém a cruzá-la com a lógica que, desde a primeira hora, presidiu à concepção/execução desse grande projecto que é o metro ligeiro do Porto: a intermodalidade.

Ou seja, há três estações de metro muito próximas, mas todas elas têm funções específicas e diferentes. Na Trindade, temos a estação principal da rede de metro, onde se cruzam a linha azul/vermelha e a linha amarela, ponto fulcral do funcionamento da própria rede. Na Estação de S. Bento, escusado seria dizê-lo, teremos a ligação aos comboios. Na Avenida dos Aliados, last but not least, a ligação a uma enorme quantidade de autocarros da STCP, rumo a quase todos os cantos da cidade (não me parece viável tirá-los dali...). A intermodalidade, note-se, pressupõe a agilidade da relação entre vários tipos de transportes públicos, que o utente utiliza com um único título de transporte, pelo que a proximidade das ligações é crucial.

Parece-me que, vendo as coisas dessa maneira, a estação não será tão inútil como isso, os futuros utentes melhor o dirão. Portanto, no que respeita ao metro na Avenida dos Aliados, para que estejamos conversados, terei apenas que fazer uma curta lateralização argumentativa. Como sempre, há pessoas que, por mais voltas que se dêem, caem na discussão dos custos. Claro que essa não é a minha especialidade, mas, se bem que considere o rigor imprescindível na gestão da coisa pública, parece-me que o espírito de mercearia é um dos mais frequentes obstáculos ao progresso. Puxo para aqui porque há quem critique a estação da polémica por causa dos custos (funcionamento, desgaste do material, etc.), além do atraso que uma paragem significa na circulação das composições (um minuto?!...). Ora, por causa dessa argumentação dos custos, andam a desenterrar a ideia de que o metro deveria ter sido desenterrado, felizmente posta de parte. Não quero alongar-me nisto, porque já não se volta atrás, mas seria uma aberração "animar" a sala de visitas da cidade com um vaivém de comboiinhos. Além de que isso, sim, significaria lentidão acrescida, o que pode ser confirmado por quem quer que já tenha utilizado o meio de transporte em causa. Na realidade, não se trata de um metro, na verdadeira acepção da palavra, mas também é mais do que um simples eléctrico rápido. Trata-se de um meio versátil que, nos troços subterrâneos, é mais do que suficientemente rápido, o que não acontece à superfície, excepto quando são usados antigos corredores ferroviários (uma viagem do Estádio do Dragão ao Senhor de Matosinhos é esclarecedora).

Daqui passo, finalmente, para a segunda circunstância a que me referi no primeiro parágrafo, o tal conflito íntimo vivido pelo poder político (nem estou a direccionar isto para Rui Rio, pois as obras da Porto 2001, apadrinhadas pelo anterior Executivo camarário, não ficam muito atrás). Pedi ao meu camarada J. Paulo Coutinho (notem que camarada é, desde os tempos oitocentistas, tratamento comum entre as gentes dos jornais e das letras) uma foto da Avenida dos Aliados para ilustrar este post. Escolhi a que viram, um pormenor da nossa querida calçada portuguesa que está a ser trocada por granito. É, naturalmente, uma forma de protesto, mas um protesto na retranca. Não sei porquê, ainda admito que a avenida do chamado "dream team" (Álvaro Siza e Souto de Moura) possa ser como a água tónica (um sabor de que se aprende a gostar) ou como a coca-cola (primeiro estranha-se, depois entranha-se). Confesso que, à partida, penso que não, mas só a prova do tempo me permitirá ter mais certezas.

É que, ainda e sempre, a verdadeira natureza do problema continua a ser ignorada. Ou seja, quando estamos a defender a manutenção de árvores e jardins, estamos a defender o quê? Em primeiro lugar, claro, estamos a defender algo que é vital e que é vida. A relva, as flores, as belas magnólias da Praça da Liberdade são, por mais que o ignoremos, pilares da nossa qualidade de vida. Só o compreendemos, muitas vezes, quando elas já não estão lá. Mas, em segundo lugar, o que é a qualidade de vida da Baixa portuense? É um grande buraco, bem maior do que o que foi aberto para fazer a tal estação do metro. É de uma inocência atroz (na verdade, nem há nisto inocência, o que torna a coisa mais atroz ainda) pensar que a mudança urbanística transformará o eixo Praça do General Humberto Delgado-Avenida dos Aliados-Praça da Liberdade num espaço de lazer devolvido aos cidadãos. Porque, para tal, é necessário que haja cidadãos. Cidadãos que morem na Baixa, cidadãos que vão à Baixa fazer algo mais do que ir ao banco ou apanhar o autocarro de volta para a periferia, cidadãos que sejam a cidade.

Em todo o lado, no mundo ocidental, houve um sentimento gregário na origem das cidades. Além da busca de novas formas de vida, em especial na recuperação da reorganização europeia ao cabo daquilo a que se chama a crise tardo-medieval, as pessoas juntaram-se, cada vez mais, para encontrar todos os tipos de segurança e solidariedade que a vivência comunitária proporciona. Ora, seja calçada portuguesa ou granito, a Avenida dos Aliados nunca poderá ser, nas circunstâncias presentes, um verdadeiro espaço de lazer. Nem de dia, porque não há nada para fazer na Baixa, além de dar milho aos pombos, nem à noite, porque quem tem cu tem medo, ou seja, porque a desertificação resulta em perigo. Também neste particular, Portugal teima em não querer aprender com os espanhóis, que têm em todas as cidades centros dinâmicos, com gente que lá vive e convive, com comércio vivo, com boa oferta de lazer...

Neste país que é o nosso, a lei do chico-espertismo faz com que empreiteiros e afins enriqueçam nas periferias (pois, lá viria aqui mais uma dissertação sobre o financiamento das autarquias, que potencia todo o fenómeno...), enquanto as cidades definham sem que haja verdadeiras estratégias que ponham cobro ao problema. Pensar nisto é, na minha opinião, muito mais importante do que o TGV, o aeroporto na Ota, a idiotice de querer fazer Jogos Olímpicos em Lisboa ou a idiotice que levou à construção de estádios em Leiria e Faro (os exemplos mais injustificáveis). No caso do Porto, devia haver um esforço de emergência, um esforço de gerações, para devolver gente não apenas à Baixa, mas também ao carcomido núcleo histórico (a zona que antes era abraçada pela muralha do século XIV, isto é, Cividade, Pena Ventosa, Olival, Miragaia, Ribeira). Gente de todos os tipos, isto é, nunca caindo numa de duas asneiras: criar apenas condomínios para elites ou fazer do centro histórico nada mais que um grande núcleo de habitação social.

Apontar metas é fácil, saber como se faz é mais complicado. Eu não sei. Mas parece-me disparatado pensar espaços para pessoas que não existem. O exemplo está mesmo ao lado, na Praça de D. João I: despida da desinteressante fonte luminosa que lá havia, está também despida de qualquer tipo de animação, além do trânsito diurno, apesar de oferecer todas as condições para ser um espaço privilegiado de convivência urbana. A Avenida dos Aliados de Siza e Souto de Moura caminha no mesmo sentido. E porquê? Porque, eis que termino mais um grande desvio para chegar onde quero, somos uma sociedade que vive da aparência. Rui Rio quer mostrar obra (tal como João Soares apressou um rearranjo do Rossio, antes de levar um balde de água fria nas eleições), mas não tem jeito para obrar.
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Correcção: olhando, hoje, para o que ontem escrevi, dei com uma asneira imperdoável, que já corrigi; a pensar na muralha medieval, construída nos reinados de D. Afonso IV, D. Pedro I e D. Fernando, pensei, claro, em século XIV, mas o quatro do "14", por algum tipo de dislexia do reciocínio, descambou em quatrocentista, o que significaria, evidentemente, século XV e um avanço de cem anos; aqui fica o pedido de desculpa.

2 Comments:

Blogger ManuelaDLRamos said...

Caro POS- para já este meu comentário é motivado pelo desconforto que me causa a sua destacada (e claro que amável também) referência ao meu "excelente trabalho de cidadania"! Eu até compreendo que o facto de publicar tão activamente no blogue dos ALIADOS possa levar a empolar o meu papel,todavia, se reparar com mais cuidado, o que publico de mais substancial nesse blogue é o resultado do trabalho de outros que não eu ;-): os primeiros textos importantes (no Dias com árvores), o comunicado da Campo Aberto enviado à imprensa, as referências para as entradas motivadas por este assunto nos outros blogues, os textos de opinião que entretanto sairam na imprensa, os textos que resultaram de investigação séria de amigos da Campo Aberto: as cartas enviadas à Provedoria da Justiça, e ao Ministério Público; as últimas cartas ; a coordenaçao das reuniões, os contactos: nada disto é da minha autoria ...
Mesmo a recolha de assinaturas quantas pessoas colaboraram e continuam a colaborar? Sou apenas a parte mais visivel do icebergue com esta minha urgência em mostrar o que se contesta e publicitar e divulgar tudo o que vai acontecendo (mesmo este comentário serve esses mesmos objectivos ;-). A parte submersa do icebergue é muitíssimo maior. Por isso creio que é fácil de entender o meu incómodo.
Quanto ao seu longo texto, merecerá da minha parte uma leitura atenta.

00:07

 
Anonymous Anónimo said...

Li com apreço o que escreveu...(gosto de argumentação séria e construtiva)
"bem vistas as coisas", a estação dos aliados até que é capaz de fazer sentido...

estou em perfeita sintonia consigo nos aspectos analiticos do "problema da desertificação da baixa" - esse sim o nosso calcanhar de Aquiles que infelizmente não será resolvido com qualquer mezinha, ou nova decoração.... mas com aquela "coisa" que os portugueses odeiam que é PLANEAMENTO URBANO....
Será que ninguém entende que a cidade extrapolou as suas barreiras da circunvalação e do douro, ultrapassando o sistema administrativo herdado do tempo dos transporte fluviais e da tracção animal....
Mas quanto à polémica sobre o desenho da Avenida, não se preocupem... acho até que muitos detractores vão ficar agradavelmente surpreendidos...
Já não entendo essa mania de elevarem aos deuses do Olimpo aquela "calçadinha de calcário e basalto" feita no século XX com motivos decorativos tipo "Casa Portuguesa" (manual de Raul Lino)que para além de escorregadia, nada tem a ver com a região, tendo sido uma moda que veio da capital no séc. XIX... As pedras tradicionais utilizadas na construção no Porto e na grande parte da Região Norte são os granitos e os xistos (onde abundam).
Aproveito também para esclarecer várias dúvidas que surgem com a designação de "Calçada à Portuguesa". Esta denominação diz respeito ao processo construtivo = quer dizer que é feita com pedras pequenas, geralmente de restos e aparas (nos locais mais pobres - caminhos rurais) ou de pedras mais regulares nas zonas mais nobres...
Mas, tal como a Caldeirada se faz com os peixes que se tem "mais à mão", ora com as pedras é a mesma coisa...
E tenho dito, cumprimentos,
João Paulo Peixoto

02:04

 

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