"No jornal, só leio duas coisas: os mortos e o horóscopo", fez saber a minha vizinha de café, em conversa matinal com a proprietária. Com a discrição de quem ainda tentava acordar, isto é, com pouca, não resisti a tirar a pinta à mulher, logo concentrando-me, em fraca atitude de disfarce, na minha dose de cafeína com nicotina. Além de tomar exactamente o mesmo que eu, café e cigarro, era generosa de carnes, vestia bata e poderia muito bem ter saído à rua com os rolos postos na cabeça. Não o fez, é certo, nem tal me diria respeito. Como, à partida, terei de ter como legítimos os hábitos de leitura da senhora. Ela, como milhões, representa a forma de estar dominante destes tempos, ditada pelos tablóides, pela televisão comercial e pelo consumismo como valor supremo da vida. Coisas que, claro, estão intimamente ligadas. A nova forma de aprimorar os hábitos de leitura são os jornais gratuitos, folhas de alface que dão ao português corrente tudo o que ele precisa. Meia dúzia de títulos, alguns resultados de futebol e a programação da TV. Invadem as cidades, integrados em estratégias de lucro e competição mais abrangentes, e ajudam a embrutecer o que já de si é bruto. Quem faz essas coisas, como quem faz a televisão popular, apenas quer ser competente na busca do sucesso comercial. Querem lá saber se, por causa do que fazem, contribuem para afundar ainda mais esta choça. Há estrategos muito competentes que, ao fim e ao cabo, são os verdadeiros brutos.
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