1 comments | terça-feira, maio 24, 2005

Há uma fraqueza que comanda os políticos, não sei se nasce ou cresce com eles. Chama-se voto. Disso resulta um ciclo comportamental que todos conhecemos. Começam por ter um objectivo – chegar ao poder – que, depois de consumado, transforma-se noutro – permanecer no poder. Não há aqui nada de novo, as perversões que daí resultam são uma das mais notórias fragilidades da democracia que conhecemos.

Estamos em ano de eleições autárquicas, ou seja, fervilha em Portugal a actividade das mais pequenas células do ciclo do voto. Mais do que contar espingardas na hora dos escrutínios locais, os partidos tentam garantir, em cada freguesia e em cada município, os tijolos com que depois tentarão erguer maiores edifícios de poder. É por isso que, quando todos aguardamos que o primeiro-ministro anuncie medidas para que Portugal saia (tente sair) do buraco onde anos e anos de politiquice mal amanhada nos têm enfiado, tenho particular curiosidade em saber se algo será feito para pôr cobro ao esbanjamento de dinheiro por parte do poder local.

Lembro-me de uma vez em que seguia, de carro, com um presidente de Câmara de uma cidade transmontana, e passámos pelo centro da sede de um dos concelhos vizinhos. Pequena, a vila, mas recheada da grandeza parola a que tantos cantos do país nos habituam: enquanto dava aos braços para ultrapassar uma série de rotundas, com transbordantes chafarizes e estranhos monumentos, já depois de um sinal vermelho me ter feito parar sem haver mais automóveis a passar por ali, não contive uma exclamação de impaciência. O meu passageiro, falando do colega autarca daquele sítio, explicou: “Este gajo já fez o que tinha a fazer. Água, saneamento, um pavilhão... Como tem dinheiro para gastar, faz disto”.

Pequeno o peso desta simples vila de cujo nome não quero lembrar-me. Grande o número de sítios onde isso, e muito pior, se faz a torto e a direito. Estou a pensar, por exemplo, nas terras que fazem grandes circulares exteriores com várias faixas de rodagem, longe dos limites urbanos e inventando que estão a fazer planeamento. Vias tão inúteis, claro, como uma auto-estrada de Norte a Sul, pelo litoral, a par da que já lá estava (ou os submarinos de Paulo Portas, que são sempre pertinentes nestas ocasiões). Só que o betão e o asfalto, num país embrutecido como este, continuam a encher os olhos a muita gente. Os exemplos de desperdício no poder local, claro, são mais que muitos. Toda a gente, esteja onde estiver, não terá de fazer grande esforço para os encontrar.

Entre os desperdícios mais irritantes encontram-se, claro, aqueles que se relacionam com a propaganda que os senhores autarcas fazem a eles próprios. Fazem quase todos (não quero dizer todos), embora as pessoas só se lembrem do caso de Edite Estrela. Os boletins municipais, por exemplo, são um claro indicador do nosso atraso (de vida). Rui Rio, que gosta de entrar de chancas, começou por acabar com a revista que o município tinha, de qualidade mas com tiragem limitada, para fazer uma outra, que terá custo unitário mais reduzido mas é distribuída por todas as caixas de correio da cidade, nem interessando que seja mais fraca do que a precedente. Disse que ia acabar com os arrumadores num ano, mas eles aí continuam, enquanto a principal despesa da campanha “Porto feliz” são os outdoors que por aí se vêem a enaltecer a acção camarária. Depois, temos uns ecrãs gigantes (passo por um todos os dias) que deviam fornecer informação sobre a cidade, mas acabam por ser pouco mais do que um veículo de “notícias” que interessam ao próprio Rio (o destaque mais recente, panfletário, tem sido o túnel da Rua de Ceuta). E muito mais...

O poder local é essencial. O que este país tem crescido deve-se, em enorme parte, à acção dos órgãos autárquicos. Mas a verdade é que por aí passa grande parte do esbanjamento de dinheiros públicos. Só que as autarquias são determinantes no ciclo do voto, sendo pouco provável que alguém consiga/queira disciplinar o regabofe. É mais fácil, como dizem os comentadores, subir impostos, cortar na Segurança Social ou sacrificar mais os funcionários públicos e, por arrasto, a restante massa de trabalhadores. Há uma tendência, neste país, para associar a expressão mangas-de-alpaca aos funcionários públicos, para dizer que são mandriões ou antipáticos (como se todos trabalhassem no atendimento em repartições, quando estamos a falar de um vastíssimo leque de profissões). Sem pudor, há quem bata palmas ao sacrifício dessa gente que também precisa de viver, de comer e de dar de comer aos filhos, etc. etc. etc. Já para não falar do fraco exemplo que constituem os altos quadros da Administração Pública, imunes aos sacrifícios exigidos ao funcionário comum.

O que os comentadores e especialistas sugerem é um caminho de dificuldades para os cidadãos. Aumentar o IVA é algo de que toda a gente fala, para que as pessoas passem a comprar um quarto de batata em vez de meia batata. É a medida mais fácil, para quem decide, mas não soluciona nada. Há muita coisa para disciplinar antes de sacrificar gente. Vamos a ver o que o Governo nos reserva.

3 comments | segunda-feira, maio 23, 2005

Naquele momento, pouco depois da desgraça consumada, o futebol era já o mais distante dos meus pensamentos. À porta de casa, indiferente até à tristonha gente saída do Estádio do Dragão, estava a anos-luz de distância dos insultos a que o meu televisor já se habituou. Até ao momento em que, sobressaltado, vi um grupo de jovens benfiquistas aos pulos sobre o carro estacionado atrás do meu, amassando-o violentamente sem pinta de compaixão. Incrédulo e assustado, já a imaginar a minha chapa deformada pela estranha alegria dos outros, saí a correr na direcção deles. Incrédulo mas aliviado, por ver que o popó permanecia incólume, perguntei aos rapazes o que se passava, ao que um deu a explicação que lhe pareceu razoável: "O carro é meu".

Eram seis ou sete, uns faziam trampolim do tejadilho daquele Renault Clio alaranjado, outros, menos afoitos, limitavam-se a pontapear as portas com quanta força tinham, cantando a lengalenga do SLB. Pelo sim, pelo não, tirei dali o meu carrinho, enquanto vizinhos garantiam ter chamado a Polícia, que não apareceu até que os moços desistiram de fustigar a chapa, deixando a rua a castigar o motor com acelerações infernais quase sem sair do sítio, só para ver até onde ia. E cantavam sempre, SLB, SLB, SLB...

Já tive muitas oportunidades de dizer que não gosto do Benfica. Porém, o absurdo da situação apenas me faz pensar se, como uns idiotas andam para aí a apregoar, esta vitória sem mérito poderá alguma vez aumentar a auto-estima dos portugueses. Eu, que sou português, apenas fiquei a detestar mais aquele clube de marialvas e carroceiros. Mas, claro, isto é a clubite a falar, e o futebol não tem mais importância do que aquela que lhe é devida.

1 comments | quarta-feira, maio 18, 2005

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1 comments | segunda-feira, maio 16, 2005

Tolo sou eu, que teimo em surpreender-me com a televisão e, ainda por cima, em pensar que isso é importante, pois a caixa hipnótica é, nos dias que correm, factor-chave na formação dos cidadãos, pequenos e grandes.

Chego a casa, ligo a maquineta e vejo que a RTP transmite aquela macaquice dos Laureus, algo a que chamam “óscares do desporto” sem qualquer cabimento, pois a importância é praticamente nenhuma, ao contrário dos prémios da indústria cinematográfica. Nesse momento, um repórter tem ao lado Jackie Chan e pede-lhe, já não sei com que palavras, para fazer em directo algumas das habilidades que faz nos filmes.

Somos um país de parolos. A televisão mostra-o.

Vários profissionais da estação pública estavam destacados para o tapete vermelho posto à entrada do Casino Estoril, claramente a apanhar os restos de uma produção americana que cá vem por causa do sol, da comida e de umas quaisquer contrapartidas que pouco importam. Passavam a palavra de uns para outros, todos sem nada para dizer além de “Morgan Freeman ainda aqui não passou”, ou trocar uma série de palavras tontas com alguns desportistas, até que um se saiu com a pérola costumeira a respeito do próprio trabalho (cito de cor, só para dar uma ideia): “A segurança está apertada, e esta porta é o sítio até onde deixam ir os jornalistas”.

Jornalismo é uma coisa importante, que devia ser elevada, mas as lógicas comerciais transformam-no cada vez mais numa espécie de entretenimento. É claro que os profissionais da RTP ali postos eram jornalistas a cumprir ordens. Mas creio que podiam ter mais um pouco de juízo e não desbaratar o designativo da profissão em momentos destes, em que são obrigados a protagonizar tontarias em directo (talvez julguem estar a fazer um grande serviço e, aí, o caso é ainda mais sério...). É que, de tanta autopromoção típica dos directos televisivos – “os jornalistas isto, os jornalistas aquilo, não deixam trabalhar os jornalistas nem jogar o Mantorras...” –, o público convence-se, inevitavelmente, de que jornalista é sinónimo de sujeito que anda de microfone em punho ao sabor dos caprichos de terceiros, mais ou menos célebres, isto é, verdadeiramente notórios ou ocos como os da quinta da TVI e afins.

Depois, havia o rei de Espanha, que também lá esteve, talvez para que os americanos se convençam, em definitivo, de que estamos sob a tutela de Madrid. Porque o repórter da RTP já não tem dúvidas. O que nós vimos no televisor foi o monarca, cumprindo as normas protocolares, a dar a primazia a Maria José Ritta, que, em representação do presidente da República, era a dona da casa. Porém, o pé-de-microfone que ouvíamos falou sempre na “comitiva do rei de Espanha”.

Já agora, continuando a falar em jornalistas, o Telejornal começou logo a seguir, enfatizando as más notícias dadas pelo governador do Banco de Portugal, a propósito do défice. Seguiu-se o comentário, um diálogo entre José Rodrigues dos Santos e Sérgio Figueiredo, dois jornalistas que, como todos imaginarão, ganham infinitamente mais do que a média dos restantes em Portugal. Ora, o director do “Jornal de Negócios”, que tem todos os tiques dos jornalistas especializados em Economia, não tem pudor nenhum em dizer que, passando a solução pelo aumento da receita e pela diminuição da despesa, os sacrifícios, em matéria de poupança pública, terão de ser feitos à custa de sacrifício das políticas sociais. Pelo que notei atrás, compreende-se, já que o abrilhantado colunista está a salvo, se não for homem de muitos excessos, dos apertos vividos pela multidão de portugueses que vivem em asfixia financeira.


P.S. – Ainda sobre os Laureus, e para se ver que aquilo é uma palhaçada sem interesse: a Grécia, que ganhou o Euro/2004 a jogar antifutebol (sem retirar o mérito de um objectivo conquistado), arrebatou o prémio de “melhor equipa”, batendo o F. C. Porto. Aqui nem é a clubite a falar. É a mera constatação de que estes prémios não são coisa séria.

0 comments | sexta-feira, maio 13, 2005

Ouviu-se agora, aqui, o implosivo rebentamento do "Apenas um pouco tarde", assim, sem link, não por descortesia bloguística mas porque o Manuel Jorge Marmelo ergueu dos escombros o novo Nariz de Ferro. A alteração já está feita ali ao lado, significando a descida de uns quantos degraus na ordem alfabética.

0 comments | quinta-feira, maio 12, 2005


Baía de Porto Pim, Faial

O blogue é pessoal e não é pessoal, uma e outra coisa por ser assinado, uma coisa e outra por não ter objectivos claros. A vida é pessoal. E também não. Porque todos coincidimos nas vidas uns dos outros, diferentemente iguais a palmilhar caminhos em que a calçada da certeza assenta no cascalho da dúvida. Vidas como os dias, em que cabem os momentos efusivos e o espaço de uma praia vazia, em tons de cinza e sem outras vozes sobre o rumor das ondas. E o instinto de sobrevivência, que é a cores. Essa paleta vívida a pintar sonhos e projectos. E sorrisos. As cores e a falta delas traçam a linha dos dias, a rota da vida. E todos somos assim. Esperançados resistentes, desencantados renitentes. Não há que fazer alarde disso. Temos a partilha, claro, mas um blogue é montra, não é partilha, e a diferença está na marca invisível entre a sinceridade e o exibicionismo.

1 comments | terça-feira, maio 10, 2005

Queria postar algo. Fi-lo.

1 comments | sexta-feira, maio 06, 2005

Há um grupo de ilustres blogueiros portuenses que, com insistência e amabilidade, me mandam convite para os jantares-debates que promovem mensalmente. Nunca fui, por falta de tempo, também, mas mais por alguma timidez ou por pensar que não vou lá adiantar grande coisa, até porque, muitas vezes, sou um assumido zero no que aos temas propostos respeita. Na semana que finda, perdi mais um repasto, só que, desta feita, o mote proposto para discussão não me saía da cabeça: "O sexo e a política".

O que seria isso de misturar sexo e política? Li logo ali o gosto de Bill Clinton por puros cubanos, tropecei na memória de estadistas abstinentes, recordei a imagem de governantes libertinos... E pensei nos famigerados boatos de campanha, nos escândalos em que políticos se envolveram ou foram envolvidos. Vieram à minha cabeça os seráficos políticos que gostariam de transformar em lei as directivas da Igreja sobre sexualidade...

Tudo sexo e política, um manancial de abordagens que, imaginei, teriam servido para tornar o debate bem animado. Só depois uma cintilação divina fez com que, no baú das recordações bloguísticas, viesse à tona algo que tornava a discussão estéril. Alguém, em tempos, formulou, com definitivo rigor, a intersecção entre sexo e política. Falo dos versos com que o saudoso Pipi respondeu a Vasco Graça Moura, de que aqui deixo pertinente extracto:

"Fodas relato com brio
E sou tido por velhaco.
Dez milhões fodeu Cavaco
E o Vasco aplaudiu."

0 comments | quinta-feira, maio 05, 2005

Provavelmente, nunca pensaram bem nisto. Vale a pena gastar um pouco de tempo e reflectir sobre as questões apresentadas.

5 comments | quarta-feira, maio 04, 2005

Anda por aí um questionário sobre livros, que recebi do J. Paulo Coutinho. Não costumo responder a estas coisas, porque nunca são verdadeiras. Amanhã, ou mesmo daqui a algumas horas, as respostas seriam outras. Mas cá fica.


Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"O Principezinho", de Saint-Exupery, sem explicações complementares.

Já algumas vezes ficaste apanhadinho(a) por uma personagem de ficção?
Apanhadinho, não. Reconstruo-as, imagino-as, acompanho-as e essas coisas todas, mas só ficarei apanhadinho quando me considerar também ficcional, algo a que tento resistir.

Qual o último livro que compraste?
"Gente que dói", de Vítor Pinto Basto. Mais do que um livro de reportagens no País Basco.

Qual o último livro que leste?
"O mestre de esgrima", a única coisa, das disponíveis em Português, que me faltava de Arturo Pérez-Reverte. Um verdadeiro romancista, porque conta histórias extraordinárias, porque sabe contar histórias, porque sabe que, no romance, tudo o resto é complemento da história.

Que livro estás a ler?
Por incrível que possa parecer, estou a ler, de fio a pavio, a "Bibliotheca Lusitana", interminável dicionário de autores feito no século XVIII, por um eclesiástico chamado Diogo Barbosa Machado. Mais dois livros de ensaios de António Borges Coelho, cujos títulos me escapam (não estou em casa), mais "Porquê O Nome da Rosa?", um pequeno ensaio de Umberto Eco sobre o que o título está a dizer, mais uma nova visita a "A Criação do Mundo", de Miguel Torga. E, claro, o livro do Vítor, de que falei atrás.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Levava poesia de Álvaro de Campos, para dizer em voz alta enquanto não me aparecesse pelo caminho um Friday qualquer. E também "Apologie pour l'Histoire ou métier d'historien", de Marc Bloch, um testemunho de que o sofrimento não trava o pensamento, qualquer coisa de Gonzalo Torrente Ballester e a "História do Cerco de Lisboa", um dos mais malquistos romances de José Saramago, mas aquele cuja estrutura narrativa mais me seduz. Falta um: "Como construir, rapidamente e sem ferramentas, uma jangada à prova de tubarões, tempestades, furacões, maremotos, torpedos e afins".

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
A ninguém. Quebro sempre estas cadeias que me chegam por mail.

0 comments | domingo, maio 01, 2005


Gorreana, S. Miguel

Ao fundo, espreita o único chá que cresce em território europeu, se bem que numa Europa polvilhada por erupções na imensidão atlântica. Dali sai um chá preparado com maquinaria da Revolução Industrial, aromatizado com uma curiosa história que não virá aqui a propósito. Por assim ser produzido, chamam-lhe ortodoxo. Por que o pus aqui? Não digo. Quero, apenas, erguer a chávena e voar nos vapores misteriosos da beberagem.


p.s. - isto não está a tornar-se um blogue açoriano, mas apetece-me ir pondo por cá fotos das ilhas; isto passa-me, porque também não fiz assim tantas que sirvam para aqui...