Leio no "24Horas" que o Governo vai ocupar, para a sua sede portuense, o palacete da Rua de António Cardoso onde em tempos funcionou a delegação da Secretaria de Estado da Cultura. A vizinhança agradecerá, ou não, ter sido contemplada com a proximidade do nosso jet-set político. De cada vez que os moradores saírem à rua, poderão ser fixados pelas objectivas dos paparazzi e catapultados para a fama. Mas o curioso da notícia é, além da circunstância de o Palácio do Freixo não servir, por os senhores ministros terem de fazer fila para fazer chichi, o facto de ser necessário erguer um muro nos jardins para que o recato governativo não seja perturbado pelos frequentadores da desaproveitada Casa das Artes, que fica nas traseiras. Prefiro pensar que a coisa funciona ao contrário, que a ideia é não ferir o público com a presença de ministros que se lembrem de observar os passarinhos ou catalogar as espécies arbóreas. Perdem os eventos culturais com a ausência do primeiro-ministro, que todos sabemos especialmente sensibilizado para essas coisas.
Todo este imbróglio com o "Women on Waves" é, unicamente, mais um sinal da tacanhez que nos governa, da anedota crescente em que se transformam os gabinetes ministeriais, centralizados ou deslocalizados, tanto faz. Não adianta escrever muito sobre a bafienta moral da direita e a necessidade que os que a defendem têm de a impor pela força. Com a decisão de manter o navio holandês fora das 12 milhas, o Executivo mais não fez, porém, do que dar um tiro nos pés, reforçando a imagem que a opinião pública internacional tem do nosso atraso. Proporções salvaguardadas, a imagem de Portugal lá fora é comparável à que, noutros tempos em que se matava e morria em África, Rui Patrício foi vaiado na Assembleia Geral das Nações Unidas e Marcello Caetano foi apupado em Londres, organizando depois, em Lisboa, uma patética manifestação de desagravo.
P.S. Claro que não gosto nem um bocadinho do ministro dos Assuntos do Mar. E da Defesa, já me esquecia. Mas tenho-o como inteligente. Portanto, é um actor dos bons, ou seria incapaz de dizer, sem rir às gargalhadas, que deixar passar o "Women on Waves" poderia retirar autoridade ao nosso país, futuramente, no combate à pesca ilegal. Disse aquilo com a costumeira pose de estadista, sem vacilar. O disparate é tão grande, que o homem merece um Oscar.
Correcção: O navio chama-se "Borndiep". Erradamente, assumi que tinha o nome da organização Women on Waves. Fica feita a correcção e ficam pedidas as desculpas.
Agora deu-me para as fábulas. Ele há coisas!...
Ouvir isto alivia o peso dos dias. Um disco extraordinário.
Well the smart money's on Harlow and the moon is in the street
And the shadow boys are breaking all the laws
And you're east of East Saint Louis and the wind is making speeches
And the rain sounds like a round of applause
And Napoleon is weeping in a carnival saloon
His invisible fiancee's in the mirror
And the band is going home, it's raining hammers, it's raining nails
And it's true there's nothing left for him down here
And it's time time time, and it's time time time
And it's time time time that you love
And it's time time time
And they all pretend they're orphans and their memory's like a train
You can see it getting smaller as it pulls away
And the things you can't remember tell the things you can't forget
That history puts a saint in every dream
Well she said she'd stick around until the bandages came off
But these mama's boys just don't know when to quit
And Mathilda asks the sailors "Are those dreams or are those prayers?"
So close your eyes, son, and this won't hurt a bit
Oh it's time time time, and it's time time time
And it's time time time that you love
And it's time time time
Well things are pretty lousy for a calendar girl
The boys just dive right off the cars and splash into the street
And when they're on a roll she pulls a razor from her boot
And a thousand pigeons fall around her feet
So put a candle in the window and a kiss upon his lips
As the dish outside the window fills with rain
Just like a stranger with the weeds in your heart
And pay the fiddler off 'til I come back again
Oh it's time time time, and it's time time time
And it's time time time that you love
And it's time time time
And it's time time time, and it's time time time
And it's time time time that you love
And it's time time time
Mas onde é que eu ando com a cabeça? A coisa já aconteceu ontem e não tinha feito aqui referência à primeira vitória do F. C. Porto 2004/2005, deliciosamente obtida frente aos lampiões. A foto é do meu querido amigo Manuel Correia, esteio da causa dragoniana na Lusa Atenas.
Pus em título o nome de um grande homem. Não é alguém esquecido por todos, porque poucos o terão conhecido, mas fez grandes coisas. Em mim, pelo menos. Lembrei-o em conversa, ao almoço, e decidi evocá-lo aqui. José dos Santos Leal foi o meu professor da instrução primária, um homem bom, generoso, justo. E que num gesto era capaz de ensinar mais do que possa caber em todas as modernas pedagogias. Quando hoje falei dele, referi-me ao gesto que nele mais me marcou, algo que aconteceu mesmo no fim da nossa relação (como hei-de chamar-lhe? didáctica?...). Enquanto crianças, pode acontecer que tenhamos um sentido de justiça algo egoísta, no que respeita aos trabalhos escolares, particularmente quando nos ensinam que não se deve copiar, quando nos tentam mostrar que a fraude é um mau caminho. Mas a verdade tem sempre vários lados. Na quarta classe, que concluí do alto dos meus dez anos, tinha um colega, o Fernando, que ia chumbar pela certa. Lembro-me que tinha sérias dificuldades de locomoção, não sei se alguma deficiência que lhe tolhesse a aprendizagem. Sei que estava nos 14 anos e era a última oportunidade para concluir a instrução primária no sistema normal. No dia do exame, ia eu a sentar-me numa das carteiras da frente, como fazem os meninos aplicados, quando o sr. Leal me obrigou a ir para o fundo da sala e pôs o Fernando ao meu lado. Com meia palavra, não me lembro qual, deu-me a entender o que eu devia fazer. Fiz. Não sei de que valeu ao Fernando concluir a primeira etapa da formação escolar. Porventura ganhei eu mais, com uma lição de solidariedade que, ao cabo de quase 30 anos, ainda guardo no coração.
Desde que abri a torneira da Fonte das Virtudes, tenho evitado escrever sobre jornais. À uma, não me apetece. Às duas, particularmente se o assunto é algum pormenor específico de um determinado título, corro o risco (talvez com justiça) de parecer presunçoso. Escrever para aqui, com alguma rédea livre e impulsivamente, tantas vezes, facilita erros desses. Mas agora não resisto, motivado pelas mais recentes ofensivas da imprensa tablóide, que considero ser, sob garrida máscara, um dos lados mais negros da actividade jornalística. Pelo que representa, pelas mentalidades que ajuda a deformar, pelo estereótipo erróneo que produz da classe.
O que aqui me traz é simples. É por causa do que andam a fazer à custa do Zé Maria (sim, o que venceu o primeiro de todos os “big brothers”). Primeiras páginas integralmente preenchidas com o rapaz, porque tentou atirar-se da ponte, porque andou a correr nu pelas ruas de Lisboa, porque foi internado num serviço de psiquiatria. Páginas inteiras lá dentro, com depoimentos ao quilo, demonstrações de solidariedade para o microfone, explicações técnicas por parte de quem nem a técnica da fala domina. Até andaram atrás da família do moço, fotografaram-na a entrar no carro, a chegar ao hospital, a sair do hospital... Até os gatos do Zé Maria foram impressos em edições de generosa tiragem. Primeiro, criaram o mito a partir do zero. Depois, abandonaram-no, quando deixou de ser chamariz para a venda de papel. Agora, voltam a agarrar-se a ele, explorando até à derradeira gota o sumo negro de um drama pessoal, de viabilidade comercial eventualmente superior à dos tempos em que tudo era florido. A miséria, num país de miseráveis, vende sempre mais papel do que a fartura.
Dirão alguns que é este o curso natural das coisas. Em Inglaterra é bem pior e eles são muito mais desenvolvidos, dirão. É isto que o povo quer, dirão. Digo eu que essas desculpas de mau pagador não anulam o processo destrutivo que corre em frente aos nossos olhos e vamos aceitando com um generalizado encolher de ombros. Não sei o que me entristece mais. Se vender papel desta forma se comprar desse papel. Cada vez mais. É um fenómeno do Portugal abúlico que se vai desenvolvendo. Um fenómeno muito mau.
Já não estou em pânico, isto voltou a funcionar. Um blogue não é o mundo, mas é uma parcela do nosso mundo. Para desaparecer, convém que seja com a nossa autorização, e não por causa de um qualquer capricho informático do Blogger.
Eu não ia blogar, pois não, mas estou em pânico. Tento ver o bicho, que é como quem diz isto, ou seja, a Fonte das Virtudes, e aparece-me uma página totalmente em branco, ao estilo "fantasma vogando sobre um campo de neve" (fantasma tradicional, claro, dos que usam lençol, e sem arrastar correntes, pois destruiria a composição). É como se todo o meu ser ficasse em branco, oco, espremido até nem a pele restar. Claro que não é, mas é suposto que se escrevam aqui coisas destas. Agora que estou em pânico, lá isso estou.
Se um momento perdura em nós continuará a ser um momento? Ou incorpora-se no que somos? E quando se sucedem esses momentos, que se integram sem resistência na química que gere as emoções? Tornamo-nos diferentes? Parece natural que assim seja, que cresçamos – ou mudemos – à medida que a amálgama do nosso património emocional é enriquecida com o barro dos afectos e desafectos, dos amores e desamores. A verdadeira sabedoria, imagino, está em desenvolver uma outra capacidade, a de assimilar esse barro apenas depois de fazermos uma cópia de segurança, a vívida memória para nos mostrar que algo é especial e merecedor de em nós ficar diluído, tornando-nos estruturalmente mais ricos. É nessas cópias de segurança, invioláveis, que habita a beleza.
Ligeiro interregno na linha editorial mais recente, para demonstrar que este blogue continua a respeitar algumas tradições. E que bem calhou o jogo de apresentação do F. C. Porto ter sido ontem. Sobre a equipa, falarei a seu tempo.
Não é preciso ir ao Árctico para que da noite se faça dia.
Le vin des amants
Aujourd'hui l'espace est splendide!
Sans mors, sans éperons, sans bride,
Partons à cheval sur le vin
Pour un ciel féerique et divin!
Comme deux anges que torture
Une implacable calenture,
Dans le bleu cristal du matin
Suivons le mirage lointain!
Mollement balancés sur l'aile
Du tourbillon intelligent,
Dans un délire parallèle,
Ma sœur, côte à côte nageant,
Nous fuirons sans repos ni trêves
Vers le paradis de mes rêves!
Com versos de Baudelaire, eventualmente pouco adequados ao motivo, assinalo a língua mais falada, neste Agosto, pelas ruas da minha cidade.
Para quem gosta mais de rosas do que de laranjas. Eu cá prefiro uma nova espécie floral, de que existe apenas um exemplar no mundo, a benmequeris radiantis.
Um blogue é público. Tudo o que, neste momento, me apetece escrever, todas as palavras que eu agora aqui despejasse seriam inadequadas para a generalidade dos leitores. Compreendam, por isso, esta modorra temporariamente instalada. Não é um mau sinal. É bom.
Mesmo por trás das nuvens matinais, há dias em que vemos que o Sol nasce de outra maneira, mais brilhante, quente, protector. Talvez não seja verdade que ele nasça para todos. Quando calha a nós, é uma grande sorte darmos por isso.
Henri Cartier-Bresson, nascido em 1908, começou a pintar em 1923 e só se fez fotógrafo oito anos mais tarde. Foi, em 1947, um dos fundadores da mítica agência Magnum Photos. Com ele, uma fotografia nunca é um momento. É uma história, um turbilhão de sensações, uma vida. Morreu hoje.
Correcção: HCB faleceu na segunda-feira, mas a notícia só foi divulgada hoje; além de minha, a culpa por esta informação incorreta está na própria natureza imediatista dos blogues; pela parte que me toca (o todo, afinal), peço desculpa.
É tempo para uma pausa. Podem ser dias, horas, pode ser muito, pouco tempo. Pode ser o que for. Obrigado por passarem por cá.
Ainda não tinha posto aqui os meus melhores amigos. Ficam a guardar a tasca.
Procura-se buraco sem fundo.
Estar piegas pode muito bem ser um eufemismo para estupidez.
É falso que as noites de Verão sejam mais curtas.