Pus em título o nome de um grande homem. Não é alguém esquecido por todos, porque poucos o terão conhecido, mas fez grandes coisas. Em mim, pelo menos. Lembrei-o em conversa, ao almoço, e decidi evocá-lo aqui. José dos Santos Leal foi o meu professor da instrução primária, um homem bom, generoso, justo. E que num gesto era capaz de ensinar mais do que possa caber em todas as modernas pedagogias. Quando hoje falei dele, referi-me ao gesto que nele mais me marcou, algo que aconteceu mesmo no fim da nossa relação (como hei-de chamar-lhe? didáctica?...). Enquanto crianças, pode acontecer que tenhamos um sentido de justiça algo egoísta, no que respeita aos trabalhos escolares, particularmente quando nos ensinam que não se deve copiar, quando nos tentam mostrar que a fraude é um mau caminho. Mas a verdade tem sempre vários lados. Na quarta classe, que concluí do alto dos meus dez anos, tinha um colega, o Fernando, que ia chumbar pela certa. Lembro-me que tinha sérias dificuldades de locomoção, não sei se alguma deficiência que lhe tolhesse a aprendizagem. Sei que estava nos 14 anos e era a última oportunidade para concluir a instrução primária no sistema normal. No dia do exame, ia eu a sentar-me numa das carteiras da frente, como fazem os meninos aplicados, quando o sr. Leal me obrigou a ir para o fundo da sala e pôs o Fernando ao meu lado. Com meia palavra, não me lembro qual, deu-me a entender o que eu devia fazer. Fiz. Não sei de que valeu ao Fernando concluir a primeira etapa da formação escolar. Porventura ganhei eu mais, com uma lição de solidariedade que, ao cabo de quase 30 anos, ainda guardo no coração.
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