Desde que abri a torneira da Fonte das Virtudes, tenho evitado escrever sobre jornais. À uma, não me apetece. Às duas, particularmente se o assunto é algum pormenor específico de um determinado título, corro o risco (talvez com justiça) de parecer presunçoso. Escrever para aqui, com alguma rédea livre e impulsivamente, tantas vezes, facilita erros desses. Mas agora não resisto, motivado pelas mais recentes ofensivas da imprensa tablóide, que considero ser, sob garrida máscara, um dos lados mais negros da actividade jornalística. Pelo que representa, pelas mentalidades que ajuda a deformar, pelo estereótipo erróneo que produz da classe.
O que aqui me traz é simples. É por causa do que andam a fazer à custa do Zé Maria (sim, o que venceu o primeiro de todos os “big brothers”). Primeiras páginas integralmente preenchidas com o rapaz, porque tentou atirar-se da ponte, porque andou a correr nu pelas ruas de Lisboa, porque foi internado num serviço de psiquiatria. Páginas inteiras lá dentro, com depoimentos ao quilo, demonstrações de solidariedade para o microfone, explicações técnicas por parte de quem nem a técnica da fala domina. Até andaram atrás da família do moço, fotografaram-na a entrar no carro, a chegar ao hospital, a sair do hospital... Até os gatos do Zé Maria foram impressos em edições de generosa tiragem. Primeiro, criaram o mito a partir do zero. Depois, abandonaram-no, quando deixou de ser chamariz para a venda de papel. Agora, voltam a agarrar-se a ele, explorando até à derradeira gota o sumo negro de um drama pessoal, de viabilidade comercial eventualmente superior à dos tempos em que tudo era florido. A miséria, num país de miseráveis, vende sempre mais papel do que a fartura.
Dirão alguns que é este o curso natural das coisas. Em Inglaterra é bem pior e eles são muito mais desenvolvidos, dirão. É isto que o povo quer, dirão. Digo eu que essas desculpas de mau pagador não anulam o processo destrutivo que corre em frente aos nossos olhos e vamos aceitando com um generalizado encolher de ombros. Não sei o que me entristece mais. Se vender papel desta forma se comprar desse papel. Cada vez mais. É um fenómeno do Portugal abúlico que se vai desenvolvendo. Um fenómeno muito mau.
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