Limitar a Liberdade de Imprensa é, desde sempre, prioridade dos poderes fortes. Se as ditaduras o fazem por decreto pragmático, aliviadas que estão do controlo parlamentar, as democracias musculadas, isto é, quando o poder é respaldado pelo autocontrolo de uma maioria absoluta, buscam expedientes de subtileza mais ou menos grosseira. O novo Estatuto do Jornalista que o Governo quer implementar enquadra-se no gupo dos menos subtis, na medida em que se lêem com clareza os mecanismos que fragilizarão, ainda mais, o exercício de uma actividade que já se move entre pressões de todos os tipos. São essas pressões, das quais o próprio mercado não é a menor, que contribuem para acentuar uma voracidade mediática tantas vezes conducente ao atropelo não apenas da deontologia, mas também da honradez algures perdida por alguns profissionais da informação. A auto-regulação é, evidentemente, instrumento essencial para que o jornalismo seja mais cidadania do que negócio desregrado, devendo ser exercida por cada um em consciência. O mesmo não poderá dizer-se da auto-regulação de classe, exercida pelos pares, porque o jornalismo não é uma profissão liberal (os próprios free-lancers dependem de entidades patronais) e os pares não serão necessariamente solidários. A atestá-lo temos esta questão do Estatuto dos Jornalistas, que, creio não me enganar muito, servirá para que estratégias antagónicas – a que pretende manter o status quo e a que busca soluções corporativas de outro tipo – possam digladiar-se empunhando a mesma bandeira. Até disso o Governo sabe, até disso o Governo se aproveita.
Muito concentrado noutros afazeres, apenas aos soluços vi o "Prós & Contras", embora esteja convencido de que tais debates, como quaisquer outros da televisão-espectáculo medida ao segundo, são inconclusivos. Mesmo assim, acertei em cheio na "chuva de picaretas" de Rui Rio, nada mais do que um episódio picaresco (já que nem revelador é, sabemos bem o que a casa gasta), além de ter ido às lágrimas quando o senhor presidente da Câmara falou na prioridade dos 20% de carenciados que tem na cidade. Espanta-me apenas que ninguém tenha dito, pelo menos no momento, que esses 20% representariam bem menor parcela da população, caso não houvesse uma contínua debandada para a periferia. Ou seja, sem combater as duas faces do problema - a pobreza e o esvaziamento populacional, com toda a teia de causas que lhe subjaz -, o nosso honrado regedor acabará por agravá-lo. Ah, também o ouvi defender contas à moda de dona de casa, tal como Oliveira Salazar fez quando chegou ao poder. O problema do Botas foi, depois de equilibrar as contas, julgar que era um messias. Quanto ao que Rio julga, Rio saberá.
Quando, em 1970, a música de Andrew Lloyd Webber e as palavras de Tim Rice deram forma à ópera-rock "Jesus Christ Superstar", um duplo álbum precedeu a subida aos palcos, primeiro na Brodway, só depois no West End londrino. Nessa produção em estúdio, Jesus era interpretado por Ian Gillan, vocalista dos Deep Purple, um homem do hard rock, e toda uma estética hippie esteve associada às várias produções, designadamente a conhecida encenação cinematográfica de 1973. Mais do que imaginar Filipe La Féria envergando uma túnica sobre a qual longos cabelos penderiam, sorvendo cigarros de fazer rir, vejo nesses preparos um barbudo que não o Cristo propriamente dito, de visão caleidoscópica fixada no monitor enquanto escreve, em piloto automático, trips verborreicas que ingere em cubos de açúcar embebidos dessa anacrónica dietilamida de ácido lisérgico, Lysergsäurediethylamid no original germânico (não, nada tem a ver com o Colégio Alemão).
Não acredito que as madames e madamos arregimentados para a festarola do Rivoli fossem groupies dos Deep Purple, nem creio, na verdade, que o plumitivo-mor do município recorra a substâncias psicotrópicas para regurgitar as prosas que abrilhantam sistematicamente o site de propaganda pessoal dos ocupantes da CMP. Mas terão gostado, 36 anos depois, de ver que o Filipe (ler Flip) é moço de vanguardas. Tê-lo-ão, até, felicitado efusivamente, pelo menos quando as objectivas da revista cor-de-rosa de serviço se aproximavam (porque não é de mais lembrar que ao teatro dito municipal, para fazer cobertura jornalística - dê-se de barato que sim - da estreia, só teve acesso o universo Impresa, ler "Caras" e SIC). E participaram, alegremente, porque isto das fêstas é feito de alegria, assim o mostram sempre as fotos, numa clara demonstração do que é a visão... (que diabo!, se fosse eu seria simonística, se fosse o cavaco cavaquista, se fosse o Sócrates socrática... mas Rio não dá para nada...) do que é a visão autocrática, queria eu dizer, de um teatro municipal: glamour rançoso na abertura, rebanho acrítico na plateia em que talvez gostasse de transformar a cidade, deslumbrando-a com recitais de gestão absolutista.
Porém, apesar de esta ser uma cidade em profunda quebra anímica (um mal atávico, mais grave do que a parolice de um ou de outro protagonista da vida pública), a plateia urbana foi mais exprobratória do que aquiescente (deu-me para este maneirismo, um tipo diverte-se assim), contestando não JCristo ou JLaFéria, mas o distorcido entendimento que a gestão municipal tem das suas obrigações enquanto promotor cultural. O liberal discurso das subsidiodependências ou a apologia cega da iniciativa privada nada têm a ver com isto, porque nas mãos da Câmara estaria combater as ditas subsidiodependência (não necessariamente cortando a eito nos subsídios) e porque não cabe aos privados assumir obrigações que são públicas, por mais lucrativa que essa assunção possa revelar-se. Mas nem é isso o que mais importa. Importa insistir, como aqui sempre foi feito, que a descarga de efluentes mentais no site oficial da cidade envergonha qualquer portuense com dois dedos de testa.
As surpresas que alguns dias de ausência constroem: o Blogger chama mensagens aos posts e já escreve "blogue". Vamos lá ver se blogo alguma coisa, já a seguir, para abrir o apetite.
Adenda: fica para depois... estou cansado.
Sem tempo sem tempo sem tempo não será a verdade total, mas sem disponibilidade mental já quer dizer qualquer coisa. Ou seja, mais um tempo em que a irregularidade deste blogue ganha inconstância...
"Smoke gets in your eyes", algo que se aplica a todos os que, como eu, ainda não deixaram de fumar. Talvez fique mal dizê-lo, mas creio que a canção faz muito mais sentido com este gajo do que com The Platters, ou qualquer dos milhentos cantores e bandas que a têm interpretado, dos anos 30 para cá.
Entre as coisas tristes que perpassam a vida de um cidadão encontra-se, tenho-o por certo, a fatalidade de ser de uma terra cujo presidente da Câmara se chama Rui Fernando da Silva Rio. Não que o assunto aqui chamado seja esse homem, em cujas preferências literárias, que não revela, talvez pudéssemos encontrar o entusiasmante POC, mas antes o que esse homem quererá fazer da Feira do Livro, nada menos do quer um remendo para a Avenida dos Aliados, para a qual, temos agora a certeza, não tem qualquer ideia.
Comecemos pela minha ida, hoje à tarde, à Feira do Livro do Porto, a última no Pavilhão Rosa Mota, antes de o cogumelo fechar para obras de requalificação. Entre outras coisas, comprei dois pequenos volumes no stand da Câmara Municipal do Porto. Paguei-os com plástico, recebi o talão da maquineta e fiquei, na expectativa, tão pasmado como as duas funcionárias que julgavam nada mais ter a dizer-me. Quando perguntei pelo recibo, miraram-se, atarantadas com a bizarra solicitação, até que uma, hesitante, lá disse que não tinham. Claro que reclamei. Expliquei que esse é o tipo de exemplo em que uma instituição pública não pode falhar, esperando depois que me apresentassem uma solução. A solução foi-me estendida em forma de bloco de notas quadriculado e esferográfica, para que eu mesmo anotasse o meu nome, morada, número de contribuinte e, até, o valor da transacção. "São as ordens que temos", desabafou, e lá lhe dispensei um sorriso desculpabilizador, se bem que não a tivesse culpado por ser o elo visível, provavelmente o mais frágil, de uma ferrugenta, mas sólida, cadeia burocrática.
Já em casa, vi que a televisão estava a fazer um directo a partir da feira. Um dos principais assuntos focados era a praticamente certa intenção de transferir o certame para a Avenida dos Aliados, já em 2008. Já aqui disse, noutra ocasião, que a ideia me parece fraca. Na verdade, creio tratar-se de uma ideia sem pés nem cabeça. Não significa isso que, por ser no centro da cidade, a feira deixe de funcionar e não possa, até, ser um relativo êxito. Porém, a mudança de cavalo para burro é demasiado nítida.
Vejo na Avenida dos Aliados uma única vantagem: o metro. De resto, apenas problemas. É certo que, em tempos, a Feira do Livro já se realizou em frente aos Paços do Concelho. Porém, eram tempos em que o tráfego rodoviário era substancialmente mais reduzido, tempos em que a própria feira mobilizava muito menos expositores, tempos em que se publicavam muito menos livros, tempos em que, enfim, se lia muito menos, por pouco que hoje se continue a ler. Agora, teremos uma feira perfumada com gases de escape, musicalmente animada por orquestras de buzinas e, provavelmente, abençoada pela chuva, que algumas mentes iluminadas acreditam ser uma tradição. Quem quiser estacionar já não terá um parque mesmo por baixo do pavilhão. Quem quiser ir à casinha terá de se servir dos cafés - se houver cafés abertos -, ou talvez a Câmara providencie latrinas de plástico...
Não será na Avenida dos Aliados que haverá espaços dignos para conferências, debates, enfim, para essas futilidades que os nefandos intelectuais associam aos livros. Não será nos Aliados que as famílias serão chamadas à leitura, pois quem tiver crianças estará mais empenhado em afastá-las dos perigos, designadamente do trânsito, do que em cativá-las para as letras, se algum interesse nisso houver.
Bem sei que a Feira do Livro de Lisboa é ao ar livre, mas o Parque Eduardo VII é minimamente resguardado. De qualquer modo, o ideal, na minha opinão (em que opinião haveria de ser?...), é que estas feiras se realizem em recintos cobertos. À falta destes, outras soluções haveria. Nem era necessário sair do Palácio de Cristal. A zona da avenida das Tílias seria perfeita e, se a Câmara tivesse algum empenho na feira, promoveria a articulação desta com a Biblioteca de Almeida Garrett, ali à mão de semear. Mas não. O que interessa é dar serventia aos empedrados Aliados. Claro que interessa, mas martirizar a Feira do Livro não é solução, pelo menos para quem gosta de ler.
Que é que se há-de fazer? Um tipo descobre estas pérolas, há que as pôr no blogue. Uma rara versão de "Aladdin Sane", com David Bowie acompanhado por Reeves Gabrels e Gail Ann Dorsey. Além da vocalização da baixista, gostei da forma como Gabrels recria, na guitarra, o piano original do extraordinário Mike Garson.