Como os mais atentos já terão reparado, sou uma cegonha. As penas e o bico estão mesmo a dizê-lo, a secura das ervas mostram-me no ambiente de que mais gosto, incluída estou no rol das aves migratórias, especializadas em voar atrás do Verão por esse mundo fora. Assim fazem as cegonhas desde o tempo em que todos nós, no reino animal, falávamos para defender os nossos direitos. O que agora lêem, da lavra do meu próprio bico (queriam que dissesse "escrito pelo meu punho"?...) é uma circunstância excepcional, janela discursiva que este blogueiro abre para eu poder falar de regalias perdidas, sonegadas à minha classe pela tão egocêntrica humana espécie.
Ora, dá-se o caso de eu ser uma cegonha em idade trabalhadeira. É que o sol, quando nasce, não é para nós todas. Algumas há, entre as quais me incluo, que passam o Inverno a cumprir esse expediente de transportar bebés que, conforme o ritmo e a localização das encomendas, entregamos com mais ou menos esforço. Hoje mesmo, horas antes de escrever estas palavras, vim directamente de Paris para o Porto, com a Matilde pendurada no bico. Trouxe-a com muito cuidado - sou uma profissional - e voei sempre sobre as nuvens, para que os raios de sol a iluminassem, longe deste frio que anda cá por baixo. Deixei-a bem aconchegadinha, nos braços da Cláudia e do Augusto. "Tão perfeitinha", disse o pai babado. Não me agradeceu, nem tempo teve para isso. Mal fazemos a entrega, erguemos o bico e, com um batimento certeiro das duas asas, subimos às alturas sem que notem a nossa presença. Mas os sorrisos que ainda pude ver naquelas caras deixaram-me feliz pelo dever cumprido.
Enfim, já estou a desviar-me do propósito inicial. A minha ideia era pedir aos senhores e senhoras humanos que, na hora de fazerem as encomendas, apontassem para entregas nos meses de Verão. Mas, afinal, já não quero nada disso. Ver sorrisos felizes compensa, e bem, as penas molhadas e o bico tiritante.
P.S. de POS - Agora, que a ave pernalta se calou, aproveito este restinho de espaço para dar os parabéns, à Cláudia e ao Augusto, pela tão esperada chegada da Matilde. Já está encaminhada para ser sócia do F. C. Porto (a urgência das coisas verdadeiramente importantes). Se a educarem bem, pode ser que não queira ser jornalista quando for grande. :-)
ADENDA: Entretanto, o Paulo arranjou uma foto da Matilde, que publicou no estaminé dele. Roubei-a e aqui a ponho.
2 Comments:
Até as cegonhas reivindicam... Mas ó minha cara cegonha, não vê que foi a Primavera a causa do seu trabalho, vá ter com ela e faça-lhe a reclamação.
15:08
UM EXCELENTE TEXTO E UM RAPTO TERNURENTO. ABRAÇO.
15:39
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