Há tempos, em conversa com um reputado cronista deste reino, entre outras facetas que contribuem para que reputado seja, velho camarada destas coisas, que não os blogues, aproveitei para maldizer as crónicas sobre a falta de assunto, tentação que, por vezes, abraça sem esboço de resistência (a crónica, diz o cronista à crónica, responde a crónica ao cronista...). Por respeito e admiração, só lhe disse que a coisa não tinha jeito nenhum, mas acho mesmo que o subterfúgio para encher papel é uma xaropada.
Um dia, ouvi Saramago dizer que o drama da folha em branco é um disparate (lembro-me lá com que palavras...), negar por completo a existência da inspiração e apontar o trabalho como verdadeira fonte da arte em escrita. Tem toda a razão e não tem razão nenhuma. Mente quem diz que escreve ao correr da pena, mente quem diz que a escrita é apenas corolário de um esforço. Ou seja, não há anjos que nos povoem a imaginação, ditando o brilhantismo que uma soma de palavras poderá encerrar, tal como ninguém escreve apenas por saber todo o vocabulário, por recitar as regras gramaticais ou porque investiu em papel e tinta, forma tradicional destes computadores com processador de texto.
Ora, se José Saramago é um escritor brilhante, por mais que o neguem os que lidam mal com o triunfo alheio, não o é apenas por trabalhar a palavra. Nem o dito cronista, que é poeta, novelista, enfim, que é artista, deve encostar-se à rotina de muitos anos para resolver o problema da falta de assunto, ou seja, mandando às malvas essa maçada do trabalho. Entorna-se o caldo, porém, quando escrever significa honrar compromissos e a dormência das ideias não ajuda. Às vezes, é a necessidade de tapar o buraco que nos põe em piloto automático, escolhendo palavras, agrupando-as, inventando-lhes aparente coerência.
Ao erguermos uma precária parede de frases, convencidos de que alguém nelas descobrirá o sentido que as firma, apenas rezamos para que o vento abrande, a terra não trema e ninguém as faça desabar com a sacudidela de um olhar crítico. Na verdade, o que queremos é que ninguém repare muito nelas, que as deixe ganhar repouso sob a poeira que as cobrirá. Até nos blogues, estranhas crias que nos pedem sustento, pode acontecer que apenas lhes possamos dar uma malga de caldo, esgotado que esteja o orçamento mental para escrever bifes do lombo. Assim fiz agora mesmo. Podia ter estado quieto, é certo, mas as mãos mexem-se sozinhas, mesmo se pouco inspiradas.
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