O que há de novo quando a arte na arte se projecta? Agostinho Santos mostra-nos, em cento e oitenta diferentes apontamentos, entre telas e desenhos, a consabida verdade de um livro ser reinventado por cada leitor, ou, até, por cada instante da leitura. O que ele lê é, claro, diferente do que lemos, porque sempre distinto é, de uns para outros, o efeito das palavras escritas, tantas vezes longe da intencionalidade do autor, se quem escreve pode atrever-se a ter firmes intenções. Nada de original há em dizer que cada livro, quando rompe o cordão umbilical por onde a imaginação do escritor fluiu, renasce na originalidade de todo e qualquer leitor. Embora evidentemente condicionado, este processo de reinvenção, esta apropriação do que deixou de ser alheio, este gesto de pôr as mãos no barro moldado e conferir-lhe novas formas é, enquanto a palavra continuar a ser expressão, o alimento verdadeiro da literatura. O que o Agostinho fez, agora, foi - como dizê-lo? - reinventar a reinvenção. Libertas pela leitura do pintor, as palavras de José Saramago são aprisionadas no plano suporte da imagem, para que possamos, leitores da pintura que somos, libertá-las e conjugá-las com a impressão em nós mesmos causada, a seu tempo, pelas palavras e histórias que igualmente reinventámos, página após página, imagem após imagem, personagem após personagem. "José Saramago segundo Agostinho Santos" é, portanto, algo como o que há de único e diferente entre os evangelistas. Algo que nós, espectadores e exegetas, somos livres de interpretar. Mas sem que alguma vez possamos ambicionar estar absolutamente certos. A exposição é, também, o ritmo frenético do artista. E é, de certo modo, um sinal claro da emancipação que conquista enquanto tal. No Museu Nacional da Imprensa, Porto, todos os dias, das 15 às 20 horas.
1 Comments:
Passei, fui ao "Cerco", gostei tanto deste jardim! E voei com o sonho alado dos "faunos". Obg. Abç
20:02
Enviar um comentário
<< Home