6 comments | segunda-feira, março 20, 2006

Foto de POS

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Praça de Mouzinho de Albuquerque, Porto

Há liberdade no voo das gaivotas, sonho nas asas que planam ao sabor do vento. Arrepia, por vezes, ouvir os grasnidos de um bando misturados no rumor das ondas. Porque só com mar há plenitude nestas aves, só sobre a água nos povoam o imaginário. Em terra, são diferentes, deslocadas, bizarras. Mas não são inadaptadas. Deixou de fazer sentido, há muito, essa máxima de que gaivota em terra significa tempestade no mar. A verdade é que gaivota em terra quer dizer que há comida em terra, mesmo que lixo. Não é o caso. Este homem, dia sim dia não, vai à Rotunda da Boavista dar de comer às gaivotas. Lamenta não ter peixe, apenas aparas de carne que recolhe num ou noutro talho. Faz o que faz por amor aos animais, porque se convence de que o mar não tem peixe, porque a administração de Leixões proibiu que lá se alimentassem as aves. Elas sabem. Vão-se juntando por ali antes de começar a distribuição do banquete. Os transeuntes estranham, receiam os bicos recurvados, assustam-se quando todas voam em debandada. O homem, a cada dois dias que passam, faz o que julga ser uma boa acção. Tem um desejo duplo: uma pequena banca e uma faca melhor, para se cansar menos. Talvez isso o faça feliz. Diz que já chegaram a comer-lhe da mão e sorri. Feliz nessa recordação, parece não precisar de mais.

6 Comments:

Blogger Unknown said...

Haja alguem feliz com a praga de gaivotas!
Não deve ter a pintura do carro no estado em que está a minha, mesmo com as 6453908 lavagens por mês!
Parece que no parque da cidade até já há quem tenha medo de aproximar as crianças das ditas, já que elas 'atacam' qualquer ser que suspeitem transportar comida!

22:23

 
Blogger Jorge Simões said...

O pior é a gripe das aves! ;)

23:26

 
Blogger patchouly said...

Ninguem me convence que o número perfeitamente exagerado de gaivotas que existem na nosssa cidade é normal.Por muito que respeite o lado poético da situação desse senhor que alimenta estes animais, acho que se não se tiver cuidado acabamos com um problema de saúde pública entre mãos. Isto é pior que comer frango no churrasco, no entanto a histeria colectiva já fez diminuir o consumo de carne de frango e de ovos. Contradições...

15:05

 
Blogger POS said...

Concordo perfeitamente, mas não me apeteceu dizer que o homem é tolo, deixei isso apenas nas entrelinhas, quando escrevo que "faz o que julga ser uma boa acção". Nem estou a pensar nessas coisas de gripe das aves, apenas na praga que invadiu o espaço urbano e não está a ser controlada.

15:47

 
Blogger Viagem pelas ruas da amargura said...

E o homem, senhores? E o homem? Tolo, ou não, o homem tem uma história, a sua, e essa não veio nos jornais, nem dos referência, nem populares de qualidade.
Só por isso, parabéns POS.

20:16

 
Blogger Unknown said...

Está bem escrito sim senhor! Escusava era de dizer aquilo que deixou nas entrelinhas...Tolos somos nós. O retrato que pinta é frequente também nas ruas de Lisboa... sabe de que se trata, tanto trabalho («vai à Rotunda da Boavista dar de comer às gaivotas. Lamenta não ter peixe, apenas aparas de carne que recolhe num ou noutro talho») para alimentar os bichos? Deve saber pois é algo que também está nas suas entrelinhas... Aos outros posso dizê-lo, solidão.

13:14

 

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