Na ordem do dia, as alterações ao Código da Estrada ontem aprovadas em Conselho de Ministros são, numa primeira análise, nova amostra da apetência dos governantes portugueses (todos) para lidar com os problemas legislando. Fazem leis por cima de outras, ao lado, confusas, radicais, superficiais, bem feitas, mal feitas, adequadas, disparatadas, por aí fora. O drama da sinistralidade rodoviária é algo merecedor da unidade nacional, bem mais do que o Euro 2004 ou a candidatura de António Vitorino a todos os cargos que se forem disponibilizando. Por tal, há que segurar as emoções e não criticar à pressa o agravamento das multas (será que vai mesmo haver mais e melhor fiscalização?...) ou a manutenção de limites de velocidade, que alguns vêem como castradores da perícia que julgam ter ou do automóvel que puderam comprar. A carnificina que se vive nas estradas portuguesas não se coaduna com esses argumentos, que noutra realidade até poderiam ser razoáveis (convenhamos que andar a 120 km/h na auto-estrada pode ser exasperante). O que se passa é que, como muitos comentadores já têm dito, a raiz do problema está na generalizada falta de civismo em que nos movimentamos. Como combater isso? Complicado. Hoje de manhã, enquanto dava sucessivas voltas a um quarteirão, fervilhando internamente por não encontrar um lugar de estacionamento, ouvia o Fórum TSF, consagrado ao assunto, e fiquei ainda mais incomodado quando um ouvinte/participante veio com a velha ladaínha de que tudo deve ser resolvido na escola. Há falta de civismo? Os professores que ensinem, que é para isso que os educadores das criancinhas pagam impostos. Isto é, julgo eu, um dos mais profundos disparates que afectam Portugal. Esta ideia de que toda a tarefa da educação passa pelos professores. Porque é evidente que, muito mais do que nos bancos escolares, é em casa que se formam as pessoas. Filhos de pais desinteressados desinteressados ficam. Filhos de pais labregos labregos ficam. Filhos de pais irascíveis irascíveis ficam. Claro que isto não é necessariamente linear. A formação não reflecte exclusivamente o ambiente doméstico, como não decorre apenas dos currículos escolares. Porém, num tempo em que os pais se desinteressam mais, porque para aí têm sido empurrados por esta barbaridade da vida ultracompetitiva, há que reflectir com mais seriedade na falta de civismo. Resultará ela também, eventualmente, de alguma espécie de matriz genética portuguesa, mas isso não esconde causas mais importantes e palpáveis, como o ritmo de vida desenfreado, a sacralização da economia que a tudo obriga, a degradação obscena do poder de compra dos portugueses, a cultura do reality-show e da telenovela, a necessidade de ser competitivo para alcançar aquilo a que alguns chamam sucesso... A verdade é que as pessoas não são felizes, e isso, através de muitos caminhos, reflecte-se no comportamento dos automobilistas.
P.S. – Sobre o agravamento das multas: claro que, estando nós habituados à prática corrente deste Governo, é difícil não acreditar que haja na lei um dedinho (o médio, talvez) da ministra das Finanças.
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