0 comments | sexta-feira, janeiro 12, 2007

Como em cada adepto de futebol há um treinador de bancada, também em cada blogueiro há um filósofo pronto a revelar novas verdades sobre a humana condição, ou – sendo esta a mais frequente no que ao assunto em apreço respeita – a mergulhar num atoleiro de dúvidas do qual não sairá nem, porventura, quererá sair. Ora, quero eu dizer da forma mais terra-a-terra que conseguir, o referendo de Fevereiro não vai determinar a oficialidade mental do país em relação ao aborto, e só muito tenuemente pode ser encarado como um problema ontológico, cuja saída vinculará perpetuamente o atormentado votante. Com o pragmatismo que a questão exige, o que está em jogo no referendo é decidir se o país continua, ou não, a aplaudir o silencioso consentimento de abortos feitos em vão de escada, de situações dramáticas (até de morte) que daí advenham, de exercício não autorizado de práticas clínicas, de envio para tugúrios clandestinos de pessoas já mergulhadas em dramas, de perseguição às mulheres (ou, igualmente chocante, de achar que o caminho é ter uma lei que, afinal, não deverá ser posta em prática)... A despenalização não é a liberalização: só assim pensa quem tem o descaramento de admitir que a decisão é tomada de ânimo leve. A despenalização é um passo no caminho da decência do Estado. Nada tem a ver com religião ou com ideologia. Porque religião e ideologia só obrigam quem quer, enquanto a lei todos obriga.

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