3 comments | segunda-feira, janeiro 29, 2007

Está a decorrer na televisão um debate sobre o aborto. Um jogo de futebol, um combate de boxe, algo muito diferente das discussões de que a luz nasce, porque nenhuma das partes está disposta a aprender com a outra. Havendo uma barricada, já deixei aqui claro de que lado estou. Voto SIM, tal como fiz da outra vez, mas preferia não votar, simplesmente porque o assunto, como não toca ao todo nacional, não justifica a realização de um referendo. Sócrates enveredou pelo referendo para não se comprometer politicamente, condicionado pela parva negociata que em tempos fizeram Marcelo e Guterres.

Voto SIM por muitos motivos, mas quero agora dizer que o faço porque sou muito pequeno para julgar. E o que vejo do outro lado é a permanente demonização, a condenação hipócrita. O texto da popular e aplicada plumitiva Rita Ferro, lido pelo actor João de Carvalho no início do programa, é, de uma ponta a outra, um manifesto de desprezo pelas mulheres que abortam, uma condenação sumária e sem recurso. É preciso ser muito grande, talvez Deus, para ter tantas certezas e brandir tão afiadas espadas.

Seja qual for o resultado da votação, ninguém perderá a consciência, nenhuma pessoa será despojada da moral. Se o sim ganhar, acaba-se com a vergonha da perseguição a mulheres e cria-se o único mecanismo efectivo para combater o aborto clandestino: torná-lo dispensável. Se ganhar o não, nada mudará, continuará a vergonha, permanecerá o atraso.

Porque se fazem abortos desde sempre e continuarão a fazer, porque sempre houve e haverá dramas pessoais que escapam ao legislador. Despenalizar o aborto e permitir que se faça em condições de dignidade e segurança não é um incentivo, da mesma forma que não o seria a atribuição de isenção de impostos a quem se predispusesse a cortar os próprios braços e pernas. As pessoas não estão à espera de usar a interrupção voluntária da gravidez como um mero contraceptivo, e é aviltante que se pense isso.

Os do não estão cheios de dinheiro para fazer cartazes demagógicos. Haverá pelo meio desse dinheiro, porventura, algum do que poderia ter servido para pagar idas a Badajoz, a Madrid ou a Londres. Dizem que são serenos e acusam os opositores de intolerância. Essa é uma posição fácil. Num debate, seja ele qual for, ganham-se sempre alguns pontos quando se fala em amor e em vida, serenamente, acusando os adversários de intolerância. Mesmo que se defendam as maiores aleivosias. Eu, partidário do SIM, reconheço que me impaciento com os que se atrevem a dizer-se defensores da vida, como se os outros não o fossem. Votam não, mas não para impedir o aborto, apenas para permitir que continue a fazer-se em condições degradantes, à margem da lei e à revelia da segurança, ou, então, no secreto recato das clínicas além-fronteiras, estas apenas para quem pode e para quem mente.

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3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Você está muito preocupado com os dramas que diz assombrarem as mulheres que abortam e que, na sua concepção muito particular, ingénua diria, nunca o fazem de ânimo leve. Talvez devesse começar a preocupar-se com as mulheres que optam por não abortar pois também aí não faltam os casos dramáticos, ainda que a diferença entre umas e outras seja visível.

04:58

 
Blogger POS said...

Caro Dom Diniz, saudações à sua majestática pessoa (à falta do nome de que parece envergonhar-se), acompanhadas de um agradecimento pela forma como, graciosamente, ilustrou o que eu queria dizer.

Ou seja - e dou de barato a circunstância de chamar ingénuo a alguém que não conhece de lado algum (ou será que conhece?...) -, tem a tal postura cruel que atribuo à generalidade dos defensores do "não", ao relevar a suposta ligeireza que possa levar mulheres a optar pelo aborto (feito com varas de videira, por exemplo, algo que se passa longe da sua régia presença). É livre de me considerar ingénuo por não admitir isso, eu creio que temos apenas diferentes escalas de valores.

Quanto ao resto que escreveu, não passa de ruído e de insulto, que, se tivesse vossa majestade um rosto, me levaria a classificá-lo devidamente. Não está em discussão, neste referendo, o apoio a dar às mulheres que decidem ser mães em condições penosas, porque merecem todo o apoio e mais algum.

Por outras palavras (e haverá algo de cristão nisto que quero agora dizer), a solidariedade deve ser um esforço permanente, que não é negado num lado por ter sido esgotado no outro.

21:34

 
Anonymous Anónimo said...

Eu também vou votar no SIM, mas com uma condição: a lei que vier a despenalizar a prática do aborto, tenha efeitos retroactivos - Há para aí muitos gajos na política que deveriam ter sido abortados há muito tempo. Só nesta condição. Senão fica tudo na mesma.

10:42

 

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