8 comments | quarta-feira, outubro 25, 2006

Eu tinha catorze anos quando o meu Pai partiu. Tantos quantos tenho agora, pois fomos separados num hoje que em mim vive a cada segundo, cravado no coração e rasgado na alma, esse vinte e cinco de Outubro de há vinte e cinco anos.

Mesmo quando mais que anunciada pelos negros augúrios da doença, a morte é algo para que nunca estamos preparados. Muito menos quando temos catorze anos. E não sei, agora, o que teria sido a vida se a vida então não se interrompesse, para recomeçar a passos hesitantes. Apenas que diferente. Muito. Mas não sei como. Nem quero.

De algum modo, sei lá se metafísico ou apenas emocional, o meu melhor Amigo não deixou de me acompanhar. Faltaram os conselhos, o amparo, a palpável presença, o carinho de um abraço, a lição dada no momento certo. Mas, acredito, nunca deixou de caminhar a par das minhas alegrias e misérias, de ser solidário com decisões e tropeções. Não nos deixaram crescer juntos. Nunca debatemos ideias, no sentido em que o fazem os adultos, quando julgam haver muita importância nas coisas que os preocupam. Alguma coisa tive de crescer, claro, sempre na esperança de que esse farol, apagado à vista, continuasse aceso no meu coração. Continuou. E lá permanece, mesmo quando me falta a lucidez ou a pureza de espírito necessárias para que o veja.

Queria honrar o meu Pai nestas linhas, que não desejo demasiadas. Mas temo não ser possível, sou demasiado pequeno para tão importante propósito. Queria falar da inteligência desse grande homem, desse homem bom, culto, corajoso, vertical... Mas as memórias deste menino de catorze anos são um turbilhão difuso, fortes mas sempre convergentes no mais simplesmente complexo dos conceitos: o meu tão querido Pai.

Atraiçoado, lutou heroicamente contra a doença. Acredito que conseguiu prolongá-la por seis anos de dor física, não tão crua, decerto, como a que lhe ia na alma. Não desistiu nunca, creio que por nossa causa, creio que para nos deixar não a vida descansada, que isso é coisa vedada aos professores, mas para nos garantir o princípio de um caminho que pudéssemos trilhar.

Desde sempre me habituei a ouvir que tenho a cara dele, algo que cria em mim um misto de orgulho e receio de nunca estar à altura. Éramos grandes companheiros. Como era bom quando entrávamos no carro, quando ele dizia “vamos onde o nariz nos levar” e o nariz nos levava ao mar, a uma serrania, à busca de coisas simples, ao belo da natureza, ao belo da criação humana. Éramos muito próximos. Não tive tempo de ser um filho rebelde, não sei se o seria noutras circunstâncias, mas sei que ele, enquanto pôde e conseguiu, quis viver os dois filhos que pôs no mundo, ambos tardios, eu o mais novo. Partiu há vinte e cinco anos. “Adeus” foi a última palavra que me disse. Só compreendi que era a despedida – estúpido que sou – quando soube que não voltaria a abraçá-lo, a receber o abraço dele.

Queria honrá-lo com estas poucas linhas. Não consigo. Sei pouco e pouco posso. Só aspiro a honrá-lo com o que faço da vida. Poderei falhar, reconheço, mas tentarei sempre. Chama-se António Simões Veríssimo, nada me orgulha mais do que ser filho dele.

8 Comments:

Blogger Belmiro said...

Retenho neste momento uma lágrima e duvido se, algum dia, estarei à altura de honrar o meu pai, ido há mais de cinco anos, assim em tão simples, emocionais e grandiosas palavras, como tu aqui honras o teu.
Um abraço sentido

21:19

 
Blogger Repórter M said...

Perdi a minha mãe há 9 anos, e sei bem como é difícil transcrever em palavras todo o amor que armazenamos. Conheço bem esse vazio das conversas que nunca se terão, das experiências que nunca serão vividas, e daquela eterna dúvida sobre o que seria a minha vida se... Continuo a aprender a cada dia o longo caminho para passar da saudade dolorosa para uma recordação feliz, que no meu caso passa pela certeza do quanto fui amada. A verdade é que sinto aminha mãe sempre presente, e vem ter comigo em sonhos quando mais preciso. Sei que nunca poderei explicar ao mundo a dimensão extraordinária desta mulher, se calhar porque ainda não foi inventada uma palavra suficientemente bonita.
Percebo cada palavra deste post como se fosse minha, e viajei através dele pelas minhas emoções. Chorei, sorri, arrepiei-me, chorei novamente, e termino com um sorriso de felicidade e gratidão por tudo o que pudemos viver juntas.
Obrigada, POS, por esta fabulosa sessão de terapia!
(sobre este assunto escrevi há tempos uns desabafos aqui: mica.vale.googlepages.com/blue)

00:56

 
Blogger Jorge Simões said...

Nem sei como é que conseguiste escrever isto do princípio ao fim... Um abraço.

12:20

 
Blogger Unknown said...

Acho que o seu pai tambem teria muito orgulho em si
:-)

19:45

 
Blogger patchouly said...

Este texto tocou-me de uma forma pessoal. Eu tinha mais 10 anos que o POS quando o meu partiu, tembém em Outubro, 27.

Um abraço.

02:28

 
Blogger Leonor said...

Um grande abraço, POS. O meu blogue só existe porque o meu pai partiu. As partidas, esperadas ou não, deixam marcas irreparáveis, um ano ou vinte e cinco depois.

10:33

 
Anonymous Anónimo said...

love (you)

06:12

 
Anonymous Anónimo said...

uma das melhores coisas que eu ja li, ele sabe tudo isso, e mais orgulhoso nao poderia estar.

02:56

 

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