5 comments | terça-feira, outubro 17, 2006

O país anda, mesmo que em segredo - sempre há pudor das classes pensantes em manifestar adesão a estas coisas da populaça -, empenhado na reflexão sobre a identidade nacional, absorvido na procura de alguém que a corporize ou tenha corporizado, na demanda desse símbolo último, porque de carne e osso, do pátrio orgulho que estende bandeiras nas fachadas e põe as almas a marchar contra os canhões. Como hoje me foi lembrado, ao contrário de outros patriotismos que se projectam no futuro, o português tem o passado como horizonte. Urge, pois, fazer a transição. Impõe-se, porém, alguma cautela. Movimentos bruscos podem deitar tudo a perder, aconselha a prudência que nos identifiquemos com o presente antes de ousarmos o porvir. Temos, assim, um país onde, cada vez mais, prolifera essa ideia liberal de que a felicidade geral resultará do livre exercício de todos os egoísmos, de que o mercado vale mais do que o Estado, de que a cultura é válida enquanto actividade lucrativa. Temos a Floribella, os Morangos com Açúcar, os programas matinais das televisões. Temos muitos leitores de Paulo Coelho e de Margarida Rebelo Pinto, temos galos de Barcelos, Alberto João Jardim, Filipe La Féria. Temos o teatro de revista, pois, a gargalhada pronta quando alguém diz "merda" ou quando solta ruídos corporais, traques, arrotos ou postas de pescada. Temos o Interior que definha, enterrado desde sempre pela sobranceria litoral, mais enterrado ainda na hora em que os agentes financeiros de antanho assim decidiram, como quando os banqueiros de oitocentos cobravam juros de vinte por cento no país profundo, contra os meros cinco por cento com que ajudavam ao desenvolvimento das urbes costeiras. Temos coiratos, torresmos e cervejas mini. Caracóis e moelas e pipis. Temos jornais gratuitos que satisfazem a maioria e jornais pagos que desiludem a minoria. Temos toiros (eu diria touros, mas a sonoridade seria menos marialva). Temos praças de toiros, forcados, campinos, monárquicos de bigode farfalhudo em torno das arenas. Temos ignorância para dar e vender, boçalidade para encher mil covas da Iria. Temos Fátima e fado, pois claro. E gente que prefere ir à bola a ter comida no prato. Temos dormência nas cabeças e pujança nos punhos. Temos pessoas que cospem no chão coberto de bosta de cão. Somos nação! Temos centros comerciais, cada vez mais. E cidades que caem, património à mercê da erosão, mais em conta do que a implosão. Temos analfabetismo funcional, iliteracia a todos os níveis. Temos vaidades fúteis que se mostram, talentos que se escondem com vergonha. Temos parolice plastificada, porque não há parolice no que é genuíno. Temos calhaus com dois olhos, quatro olhos cinco seis sete mil olhos. Que falam. E opinam. E tentam ironizar. Sobre tudo e contra todos, porque assim chegamos à tal ideia de que os egoísmos se equilibram, de que a mão invisível nos conduzirá à felicidade terrena, sem que um qualquer estado tiranizante tenha de contribuir para isso. Temos uma anedota de país, está visto. Portanto, solenemente, proponho, aqui e agora, que o título de "Grande português" seja dado, sem recurso a votações que podem ser traiçoeiras, à portuguesa Helena Matos.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Um post bem palerma. Vindo de quem vem, não se poderia esperar muito melhor.

11:49

 
Blogger POS said...

Caro anónimo ou anónima,

Mais não posso fazer do que expressar, aqui, a minha gratidão pela forma como o seu comentário é demonstrativo de tudo o que o post quer dizer, enriquecendo-o. Pelo conteúdo, pelo anonimato, pela indigência mental.

(só por isso não o apago)

12:08

 
Blogger floreseabelhas said...

eheheh!

15:50

 
Blogger Belmiro said...

Realmente, quando pensava que o post reflectia tudo o que penso e sinto deste sítio a que chamam país, vi a baboseira anónima e iquei com a certeza de que o post é realmente um retrato bem fidedigno de Portugal. A propósito, só queria acrescentar ao post que quando dizes que "o mercado vale mais do que o Estado" que só faltou dizer que temos um Estado cada vez mais mercado.

16:39

 
Blogger Teófilo M. said...

Nem sempre estou de acordo com a Helena, mas desta vez ela acertou em cheio.

Muitos somos assim, mas também ainda os há diferentes (para melhor).

18:33

 

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