Portugal é o galo de Barcelos, já sabemos. É Fátima, no ar em simultâneo em quantos canais houver. Também é o Campo Pequeno, remodelado e mostrado às massas, de Norte a Sul, na certeza de que a tourada é tão portuguesa como se pretende que o fado seja. Portugal é o país que ouve e vê, em directos na abertura dos noticiários, um cidadão peçonhento a anunciar vinte e três cavalheiros que vão à Alemanha jogar à bola, com apelos ao patriotismo feitos em grande solenidade, como se na presumível selecção nacional de futebol residisse o segredo da retoma, emocional ou económica.
Luís Felipe Scolari é, para mim, um zero. Desde a primeira hora. E não se pense que o digo apenas porque o cavalheiro prima em desrespeitar o clube que mora nesse canto relvado do meu coração. Nunca poderia ter consideração por um sujeito que, publicamente, apontou Augusto Pinochet como modelo.
Scolari é um seleccionador de olhos fechados aos critérios técnicos e à valia desportiva. Seleccionou em tempos, como ele gostará de dizer, uma espécie de família ou grupo de amigos, convocados sempre, haja o que houver, joguem ou não joguem nos clubes que representam, estejam ou não em forma. São aqueles quem segue viagem, ele é que sabe, quem não vai fica de fora e a palavra injustiça nada lhe diz. Seguisse ele o exemplo de Pinochet e todos os que o criticam desapareceriam, como talvez desaparecessem os jogadores que as massas ignaras gostariam de ver convocados. Seria mais fácil, ninguém contestaria a família Felipão & Filhos, todos rezaríamos à Senhora do Caravaggio, poríamos a bandeira nas janelas e pediríamos autógrafos ao treinador de todos nós. De todos, sem excepção, porque tem tempo, nos intervalos de aprontar os craques, para doutrinar o furor patriótico nestas terras onde, suporá, tal coisa nunca antes existira.
Scolari é vaidoso e bem pago. É pedante e cultiva a pose de estado como se fosse mais do que um treinador de futebol. A soberba corre-lhe nas veias, na precisa dose em que a coragem se esvai nas latrinas que frequenta. Evidentemente que lhe perguntaram por Ricardo Quaresma, mas, como Portugal é um país onde não faltam brandos jornalistas, todos acham normal que se recuse a responder, argumentando só falar dos atletas que convocou. A não convocatória de Quaresma, considerado em diversos fóruns o futebolista do ano neste país, é o assunto do momento, mas todos os pés-de-microfone baixaram as orelhas. Não insistiram, não souberam ser o que lhes compete, isto é, perguntar o que aqueles que servem, ou deviam servir - os leitores, os ouvintes, os telespectadores, os cidadãos... -, mais queriam saber. Na estação de serviço público, através da qual assisti ao anúncio da convocatória, o repórter esclarecia o povo de que eram aquelas as regras do jogo, como se tal fosse normal. Incluir-se-á, provavelmente, entre o lote de basbaques que, no decurso do Euro/2004, batiam palmas ao mesmo senhor no decurso de conferências de Imprensa, entre outras patéticas mostras de subserviência e amadorismo.
Scolari é desavergonhado. Tem o desplante de dizer, para todo um país, que, por vezes, é mais importante aparecer em festas, ao lado do presidente da Federação Portuguesa de Futebol, do que estar no terreno a observar jogadores ou a cumprir tarefas que se insiram nas funções para que foi contratado. E a massa acrítica ouve, e a massa acrítica cala.
Scolari é menos do que julga, mas veio parar a um país onde o fazem assim julgar. Triste espectáculo, este, mas bem inserido na onda de optimismo que o marketing tem vindo a injectar na turba, de tal forma que deve haver uma cada vez maior quantidade de portugueses e portuguesas convencidos de que Portugal é o favorito no Campeonato do Mundo. Os milagres acontecem, se calhar... Até no futebol. Foi neste país de pastorinhos que a medíocre equipa da Grécia se sagrou campeã da Europa, não conseguindo, depois, qualificar-se para o Mundial da Alemanha. Mas daí a estarmos todos optimistas vai uma distância maior do que a cumprida pelo Gama até chegar a Calecute.
Scolari é, enfim, aquilo que as circunstâncias proporcionam. De barriga cheia e bem cheia, e a encher mais os alforges a cada dia que passa, sabe ter a postura que impressiona os descamisados, gostaria ele de ser Evita para cintilar entre jóias. Cultivando aquela imagem falsa de seriedade, promete maravilhas sem prometer maravilhas, cria na distante perspectiva do sucesso a redenção de um povo cada vez mais asfixiado. Cresceu o número de peregrinos em Fátima, joga-se cada vez mais no Euromilhões. É em países assim que Scolari brilha. Sul-americano que é, sabe-o melhor que todos nós.
7 Comments:
Genial. Raramente encontro um texto nos blogs onde não mudaria uma vírgula, um ponto, uma ideia. Posso gostar dos textos mas, aqui e ali, há sempre qualquer coisa que não me agrada. Neste texto encontro perfeitamente aquilo que sinto.
Obrigado, POS.
01:05
100% de acordo. Acrescento apenas que desta vez nao vai ter a equipa do mourinho no banco para o salvar da falta de preparação dele. Não auguro nada de bom para o mundial.... mas aguardemos. Pode ser que a santinha do homem nos valha :)
abraço
11:16
Obrigado a ambos.
Ah, Ricardo, que falta nos faz a Avenida dos Aliados!... O link continua ali ao lado, à espera de melhores dias...
16:49
Tenho pouco a acrescentar, mas não quero deixar de salientar que está bem escrito e que as ideias são válidas.
17:31
É capaz de até ter razão. Mas tenho cá para mim que já é tempo de chutarmos essa coisa do futebol para canto. A vida não está para brincadeiras.
02:54
caríssimo
conheci hoje o seu blogue e tomei a liberdade de citar alguns excertos deste seu post excelente.
Abraço
LFM
20:14
Finalmente algo bem escrito e a dizer as verdades necessárias...
Tenho que passar mais vezes por aqui...!
22:08
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