3 comments | quarta-feira, maio 03, 2006

Foto de POS
Rua do Bonjardim, Porto

Os horários do comércio tradicional, cuja nova regulamentação foi há dias aprovada em Assembleia Municipal, têm sido alvo de debate no blogue A Baixa do Porto, pelo que ir lá equivale, como sempre, a saber mais alguma coisa sobre o assunto. Mas há um aspecto que me parece não ter sido referido, simbolizado nesta foto em que parece vivo o que está morto. A generalidade dos portuenses conhecerá o estabelecimento Cardoso Cabeleireiro, onde ninguém vai cortar o cabelo. É uma loja de grande tradição, especializada em cabeleiras postiças e que, pelos mais variados motivos, tem sido, ao longo dos tempos, útil a muita gente. Uma loja à moda antiga, está-se a ver, que, talvez por isso mesmo, figura em directórios apresentados aos turistas e tudo.

O centro da questão, evidentemente, é a revitalização da Baixa. Há quem diga que o centro urbano precisa de habitantes, há quem diga que o primeiro passo é reformular o comércio. Eu digo uma coisa e outra, mas digo mais: ir morar para a Baixa não deve implicar que em cada loja haja uma mercearia, se bem que as ditas sejam evidentemente necessárias, remodelar o comércio não pode ser reconstruir uma cidade de velhos hábitos. Fazer compras em centros comerciais (nunca ao fim-de-semana, em que entrar nesses sítios é motivo para cortar os pulsos) é prático e cómodo, conquanto ir às compras seja uma necessidade e não um programa de passeio. Inevitavelmente, o comércio de qualidade tem desaparecido da Baixa (não todo, claro), mantendo-se por lá alguns recalcitrantes, enquanto os espaços tradicionais que definham estão sujeitos a um de três destinos: ficam devolutos, são ocupados pelas mesmas cadeias internacionais que vemos nos centros comerciais ou transformam-se em lojas de terceira categoria, orientais ou não (vai havendo exemplos da quarta e essencial via, a da inovação, mas ainda são residuais). Por isso, a sociedade tem de criar condições para que o comércio dito tradicional seja reconvertido, ou seja, faça a diferença ao romper com algumas tradições.

Entra aqui a galinha e o respectivo ovo: há comércio na Baixa se houver gente ou há gente na Baixa se houver comércio? As duas são válidas, mas importará perceber de que gente e de que comércio estaremos a falar. São precisos habitantes para a Baixa, mas uma cidade como o Porto terá de pensar sempre, de forma muito estruturada, nos turistas. Ser turista e visitar, hoje, a Baixa significa várias coisas pouco dignificantes: obras a torto e a direito sem condições dignas de circulação para os peões (que se arrastam no tempo, mas isso os estrangeiros não sabem); lixo; casas a cair aos pedaços; lojas devolutas e cobertas de pichagens ou cartazes publicitários; deserto nocturno, com as ruas povoadas de insegurança; ausência de animação, programada ou espontânea (as pessoas que saem fazem a animação espontânea e por elas se vê a vitalidade de uma cidade)... E de que precisam os turistas? De lojas de perucas? Sem desprimor para o Cardoso Cabeleireiro, estabelecimento de valor patrimonial que reconheço, creio que não. Também não precisam de uma mercearia de dez em dez metros ou de um centro de estética de quinze em quinze. Claro que precisam de restaurantes de qualidade, o que é possível existir em vários níveis de preços, precisam de lojas onde o atendimento faça a diferença (lembro-me sempre de um sítio onde às vezes vou lanchar, onde vão muitos estrangeiros e ninguém sabe comunicar com eles e, se querem comprar vinho, aconselham qualquer zurrapa como sendo o néctar mais precioso do universo). Precisam de diversidade, de originalidade, de conforto, de modernidade associada aos valores locais e regionais... E por aí fora.

Perguntarão, eventualmente, se faremos uma cidade para os turistas. Claro que não. Também nós merecemos qualidade, conforto, diversidade e por aí fora, e só quando tivermos critérios de exigência poderemos ter a certeza de que estamos a prestar bons serviços aos que nos visitam.

Quem for morar para a Baixa, se algum dia forem dados passos seguros para o repovoamento, continuará, estou certo, a ir fazer compras ao centro comercial ou ao hipermercado. Fará outras compras na Baixa apenas se isso fizer a diferença, e a proximidade poderá não ser o mais relevante elemento de diferenciação. E procurará diversão na Baixa, se ela existir. E tomará café numa esplanada à hora da telenovela. E passeará sem medo pelas ruas, porque muita gente estará pelas ruas sem medo, a passear.

O cenário utópico deve ser sempre traçado, pois quem não almeja longe fica sempre perto.

Bastará permitir que as lojas estejam abertas até à meia-noite? E estarão todas? Quais estarão? E quem quer ir à noite para comprar algo em estabelecimentos decadentes, quando podem fazer programa no shopping, com comida, sessão de cinema e lugar garantido para estacionar? Mexer nos horários é importante, mas é apenas um pequeno passo.

P.S. - E para que isto não seja uma selvajaria, mas também para que possa haver qualidade no comércio, é bom que alguém fiscalize, devidamente, se são respeitados os direitos dos trabalhadores. Se todos (empregadores e empregados) cumprirem, os negócios florescem ou definham em igualdade de circunstâncias. Se quem deve fiscalizar fizer vista grossa à exploração, o barco afunda-se mais e os vigaristas ficam à tona.

3 Comments:

Blogger David Afonso said...

É claro que esticar o horário até mais tarde não é suficiente. Mais do que aumentar a carga horária há que diversificá-la. Aparentemente a Santa Catarina tem condições para abrir ao domingo. Pelo menos a fnac não se queixa. Para além disso a renovação geracional (que aqui e acolá lai vai acontecendo) do comércio é fundamental. E já agora uma mudança de atitudes, almoço quase todos os dias na baixa e quase todos os locais não passam de manjedouras, sem conforto e sem qualidade. Imagino que se passará na cabeça dos turistas...

Ah! Tem aqui um excelente blogue!

16:33

 
Anonymous Anónimo said...

...

18:26

 
Blogger Pedro said...

As pessoas que moram no Porto em sitios diferentes da Baixa também precisam de fazer compras e não as fazem todas nas suas redondezas. Também vão aos centros comerciais e hipermercados afastados da sua casa. E isso não afasta as pessoas de Ramalde, Campo Alegre, Bonfim, Paranhos, Antas ou qualquer outra zona da cidade. Ou seja, não é essencial que a Baixa tenha o comércio todo lá, o que é preciso é criar condições para que as pessoas voltem para lá:
- acabar com as malfadadas obras
- fomentar a recuperação dos prédios antigos e construção de novos (desde que não estrague a envolvente...)
- criar zonas ajardinadas
- promover (e financiar?) a criação de creches e infantários de qualidade
- não cobrar IMT para quem compre habitação na zona (sem ser para investimento)
- aumentar o prazo de isenção de contribuição autárquica na Baixa
- etc etc

O comércio, esse, vem por acréscimo...

00:42

 

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