“A estrutura de algumas destas fontes é notável (...)
“A segunda é a das Virtudes; compõe-se de um alto frontispício adornado de antigas pirâmides e firmado em bancos de pedra que o rodeiam. A copiosa água que dela sai por duas carrancas gigantescas, lavradas na mesma pedra, enche em menos de um minuto o maior cântaro. Ao seu lado estão dois profundos tanques em que diariamente lavam roupa de vinte a trinta lavadeiras. Em uma lâmina de mármore vermelho tem gravados estes versos:
«FONS SCATET ILLUSTRI VIRTUTUM NOMINE DICTUS: QUI SITIT, HAS LYMPHAS ABSQUE TIMORE BIBAT. ATE CAVERNOSO DE PUMICE DEGENER IBAT : OBSTABANT PIGRA LIMUS ET UMBRA MORA. PUBLICA CONSPICUAS EXPENSA DUXIT IN AURAS UTQUE LOCO FLUERET COMMODIORE DEDIT. INDE VIAM STRAVIT, DEJECITQUE ORDINE SEDES, GRATIA TAM GRATIS MAIOR UT ESSET AQUIS.
“Esta fonte deu o nome à porta da cidade chamada das Virtudes, e assim mesmo aos Assentos, que ficam ao seu lado em um alto da parte oriental, e que se dilatam pela distância de 222 passos. Em toda a cidade, não há sítio nem mais ameno nem mais agradável; porque, além da sua bela posição adornada de regulares edifícios, gozam os olhos, de um só golpe, vista de cidade, de mar, de rio, navios, montes, campinas, quintas e palácios. O grande paredão, que presentemente se está fazendo, para com ele se formar uma praça correspondente à beleza e magnificência desta agradável situação, será um monumento eterno do patriótico zelo que Rodrigo António de Abreu e Lima, cavaleiro professo na Ordem de Santiago, inspector da marinha do Douro, administrador-geral dos portos secos das três províncias do norte e actual juiz da alfândega, mostrou em obrigar o senado da Câmara a fazer esta obra interessantíssima à régia utilidade e recreio público.”
Acabaram de ler, se para isso tiveram pachorra, um excerto da célebre "Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto", dada à estampa em 1788 pelo padre Agostinho Rebelo da Costa. Este homem era, como se vê por alguns detalhes, um pouco exagerado. Por vezes, inventava, por outras adjectivava generosamente, mas a obra que deixou é, desde que encarada com o devido distanciamento, uma referência incontornável para a historiografia sobre o Porto. A passagem que reproduzi respeita, evidentemente, à Fonte das Virtudes e ao paredão erguido ao lado, sobre o qual assenta o conhecido Passeio das Virtudes. Trago-a para aqui como nota introdutória a um grito de revolta contra a indigência que nos rege, à cidade e ao património. Por causa do que vi quando lá fui, ontem de manhã.
Calçada das Virtudes, Porto (todas as fotos)
O chafariz que dá nome a este blogue, sobre o qual escrevi logo nos primeiros tempos, é Monumento Nacional desde 1910, podendo a classificação ser consultada, online, no site do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR). Construído no primeiro quartel do século XVII, ocupa posição destacada naquilo que foi o vale do Rio Frio e insere-se no conjunto que permitiu a classificação do centro histórico portuense como Património Cultural da Humanidade. Está, agora, como aqui se mostra. Por causa de incompetências várias: da sociedade, que abdicou de formar cidadãos (a regra não é geral, evidentemente); das forças de segurança, que, por culpa própria e alheia, não policiam devidamente; da Câmara do Porto, que patrocina o desleixo, permitindo o estacionamento desordenado de automóveis, quando deveria garantir um perímetro de segurança em redor do monumento, até para salvaguarda dos visitantes que se interessem por estas coisas; do IPPAR, que, eventualmente, nem sequer sabe que um Monumento Nacional, à sua guarda, está neste estado.
“A segunda é a das Virtudes; compõe-se de um alto frontispício adornado de antigas pirâmides e firmado em bancos de pedra que o rodeiam. A copiosa água que dela sai por duas carrancas gigantescas, lavradas na mesma pedra, enche em menos de um minuto o maior cântaro. Ao seu lado estão dois profundos tanques em que diariamente lavam roupa de vinte a trinta lavadeiras. Em uma lâmina de mármore vermelho tem gravados estes versos:
«FONS SCATET ILLUSTRI VIRTUTUM NOMINE DICTUS: QUI SITIT, HAS LYMPHAS ABSQUE TIMORE BIBAT. ATE CAVERNOSO DE PUMICE DEGENER IBAT : OBSTABANT PIGRA LIMUS ET UMBRA MORA. PUBLICA CONSPICUAS EXPENSA DUXIT IN AURAS UTQUE LOCO FLUERET COMMODIORE DEDIT. INDE VIAM STRAVIT, DEJECITQUE ORDINE SEDES, GRATIA TAM GRATIS MAIOR UT ESSET AQUIS.
“Esta fonte deu o nome à porta da cidade chamada das Virtudes, e assim mesmo aos Assentos, que ficam ao seu lado em um alto da parte oriental, e que se dilatam pela distância de 222 passos. Em toda a cidade, não há sítio nem mais ameno nem mais agradável; porque, além da sua bela posição adornada de regulares edifícios, gozam os olhos, de um só golpe, vista de cidade, de mar, de rio, navios, montes, campinas, quintas e palácios. O grande paredão, que presentemente se está fazendo, para com ele se formar uma praça correspondente à beleza e magnificência desta agradável situação, será um monumento eterno do patriótico zelo que Rodrigo António de Abreu e Lima, cavaleiro professo na Ordem de Santiago, inspector da marinha do Douro, administrador-geral dos portos secos das três províncias do norte e actual juiz da alfândega, mostrou em obrigar o senado da Câmara a fazer esta obra interessantíssima à régia utilidade e recreio público.”
Acabaram de ler, se para isso tiveram pachorra, um excerto da célebre "Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto", dada à estampa em 1788 pelo padre Agostinho Rebelo da Costa. Este homem era, como se vê por alguns detalhes, um pouco exagerado. Por vezes, inventava, por outras adjectivava generosamente, mas a obra que deixou é, desde que encarada com o devido distanciamento, uma referência incontornável para a historiografia sobre o Porto. A passagem que reproduzi respeita, evidentemente, à Fonte das Virtudes e ao paredão erguido ao lado, sobre o qual assenta o conhecido Passeio das Virtudes. Trago-a para aqui como nota introdutória a um grito de revolta contra a indigência que nos rege, à cidade e ao património. Por causa do que vi quando lá fui, ontem de manhã.
Calçada das Virtudes, Porto (todas as fotos)
O chafariz que dá nome a este blogue, sobre o qual escrevi logo nos primeiros tempos, é Monumento Nacional desde 1910, podendo a classificação ser consultada, online, no site do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR). Construído no primeiro quartel do século XVII, ocupa posição destacada naquilo que foi o vale do Rio Frio e insere-se no conjunto que permitiu a classificação do centro histórico portuense como Património Cultural da Humanidade. Está, agora, como aqui se mostra. Por causa de incompetências várias: da sociedade, que abdicou de formar cidadãos (a regra não é geral, evidentemente); das forças de segurança, que, por culpa própria e alheia, não policiam devidamente; da Câmara do Porto, que patrocina o desleixo, permitindo o estacionamento desordenado de automóveis, quando deveria garantir um perímetro de segurança em redor do monumento, até para salvaguarda dos visitantes que se interessem por estas coisas; do IPPAR, que, eventualmente, nem sequer sabe que um Monumento Nacional, à sua guarda, está neste estado.
Recordo-me, com isto, de uma académica de relevo me ter dito, certa ocasião, que, a propósito da descoberta de um importante elemento patrimonial de cariz religioso, numa cidade de Portugal de cujo nome não quero recordar-me, tentou sensibilizar o município para a importância do achado. Não falou com nenhum membro eleito, mas teve pela frente um funcionário tido como muito importante e próximo do senhor que mais mandava (principescamente pago, rezam as más línguas), que lhe terá respondido da seguinte forma: "Agora, vamos resolver os problemas do presente, só depois é que olhamos para os do passado".
Ora essa é uma postura que, com certeza, não condiz com quem quer orientar os destinos de uma cidade como o Porto. Portanto, é desejável que o Executivo de Rui Rio, alertado para a situação, tome medidas. Pressionando o IPPAR (ao menos que haja um atrito válido, que não a nebulosa questão do túnel dito de Ceuta), porque, como defendem os especialistas, a forma de lidar com actos de vandalismo sobre o património passa, em primeiro lugar, pela rápida reposição da normalidade (a normalidade possível, dependendo das condições técnicas para eliminar as pichagens), mas, também, pondo ordem no lamentável panorama do estacionamento, eventualmente motivado por um estabelecimento de ensino ali existente (onde está sedeado o Agrupamento de Escolas de Miragaia). Quando cheguei lá, devia decorrer um intervalo, pelo que à porta da escola estava um grupo razoável de rapazotes, daqueles de bonés nas indiferentes cabeças, que (maldade minha, quiçá) podem bem ser dos que gostam de andar por aí com sprays de tinta a estragar o que é de todos. Aliás, como mostro a seguir, a entrada da escola é, ela mesma, montra dessas capacidades artísticas
Esta é apenas uma das muitas vergonhas que povoam o centro histórico de uma cidade que é património mundial. Outras por aqui aparecerão. Devo concluir, porém, dizendo que, às vezes, sou tentado a reconhecer que os que vêem no património edificado apenas calhaus poderão ter, afinal, algum pingo de razão. Explico porquê. Para obter determinado enquadramento fotográfico, subi o talude que leva à base do paredão, que mostro imediatamente a seguir, também ele palco de outras misérias.
Reparam, evidentemente, nos nichos que ocupam toda a extensão do muro. As imagens que se seguem mostram o interior dos primeiros três.
Um homem a dormir
Ora essa é uma postura que, com certeza, não condiz com quem quer orientar os destinos de uma cidade como o Porto. Portanto, é desejável que o Executivo de Rui Rio, alertado para a situação, tome medidas. Pressionando o IPPAR (ao menos que haja um atrito válido, que não a nebulosa questão do túnel dito de Ceuta), porque, como defendem os especialistas, a forma de lidar com actos de vandalismo sobre o património passa, em primeiro lugar, pela rápida reposição da normalidade (a normalidade possível, dependendo das condições técnicas para eliminar as pichagens), mas, também, pondo ordem no lamentável panorama do estacionamento, eventualmente motivado por um estabelecimento de ensino ali existente (onde está sedeado o Agrupamento de Escolas de Miragaia). Quando cheguei lá, devia decorrer um intervalo, pelo que à porta da escola estava um grupo razoável de rapazotes, daqueles de bonés nas indiferentes cabeças, que (maldade minha, quiçá) podem bem ser dos que gostam de andar por aí com sprays de tinta a estragar o que é de todos. Aliás, como mostro a seguir, a entrada da escola é, ela mesma, montra dessas capacidades artísticas
Esta é apenas uma das muitas vergonhas que povoam o centro histórico de uma cidade que é património mundial. Outras por aqui aparecerão. Devo concluir, porém, dizendo que, às vezes, sou tentado a reconhecer que os que vêem no património edificado apenas calhaus poderão ter, afinal, algum pingo de razão. Explico porquê. Para obter determinado enquadramento fotográfico, subi o talude que leva à base do paredão, que mostro imediatamente a seguir, também ele palco de outras misérias.
Reparam, evidentemente, nos nichos que ocupam toda a extensão do muro. As imagens que se seguem mostram o interior dos primeiros três.
Um homem a dormir
4 Comments:
;-(
10:37
e pensar que nos próximos 4 anos...lamentável, lamentável
16:26
A virtude de não se ser cego.
Parabéns pela denúncia.
14:14
Excelente visão civilizacional. Uma visão que poderia ser encontrada em qualquer cidade do Mundo, da mais evoluída à menos avançada.
20:09
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