Há um fantasma que caminha por aí, ao longo dos tempos. Não arrasta correntes, não voa sob um lençol branco com buracos para os olhos, não habita as passagens secretas de um qualquer castelo assombrado. Chama-se “união ibérica” e vive nas cabeças e corações desta gente a que o fado deu nome de portugueses. Vive dentro de nós, não dos espanhóis, simplesmente porque somos a parte fraca, e as assombrações, como qualquer outro agente patológico, aproveitam-se dos fracos.
O fantasma anda por aí, não apenas por causa das idiossincrasias de Alberto João, senhor de uma capitania postada no Atlântico, mas porque nunca deixou de andar. Quando o reputado “El País” faz destaques sobre Portugal, deitando abaixo o que somos, sem dó nem piedade, assume-se, talvez sem qualquer intencionalidade assumida, como agente perturbador de um equilíbrio que nunca será tão garantido como o nosso pátrio orgulho possa fazer pensar. Devemos lembrar-nos, por um lado, que os espanhóis (entenda-se a mentalidade castelhana dominante) têm por hábito falar dos outros quando é para dizer mal, potenciando assim aquela altivez que de nós tanto difere. Porém, teremos também de admitir que vêem cá o mesmo que nós, mas sem a dose de paixão que nos faz menorizar os problemas, por mais que os discutamos.
Lucraríamos em ser espanhóis? Lucrariam eles em ter Portugal? A união será inevitável? Este tipo de perguntas equivale às que se fazem quando se discute a natureza pudibunda dos anjos. E se?... Não adianta discutir muito o que poderia ter sido. Aliás, isto da união ibérica não era uma tentação exclusivamente castelhana. Se recuarmos ao século XV, encontramos as manobras que o nosso D. Afonso V fez para tentar deitar a unha a Castela, tentando legitimar a pretensão ao casar com a sobrinha Joana, para nós a “excelente senhora”, para os outros a “beltraneja”. A disputa foi perdida para os Reis Católicos, costuma dizer-se que após a batalha de Toro, onde, militarmente, não houve vencedores nem vencidos. Mas dizem alguns entendidos que o nosso rei poderia ter ido mais longe, se, ao invés de procurar apenas a legitimação por intermédio de um casamento, tivesse apresentado à aristocracia castelhana um plano de governação que a seduzisse. Não o fez, fizeram-no Isabel e Fernando. Portugal ficou Portugal, Castela juntou-se a Aragão, Espanha foi inventada. Ontem, como sempre, saímos a perder porque não tínhamos um plano.
Provavelmente, o planeamento estratégico é algo que escapa à nossa natureza, qualquer desvio no nosso código genético, algum inibidor gasoso que emana dos nossos solos e condiciona as nossas vontades. É por isso que vemos curto. É por isso que ficamos assustados.
A união ibérica já foi ultrapassada por outra, a que chamamos europeia. Os desafios e os perigos vêm de todo o lado, dos quatros cantos do mundo, à custa dessa bomba-relógio que entendemos por globalização. Quando vemos a nossa economia invadida pelos espanhóis, somos assombrados pelo tal fantasma. Mas eles, mais do que para Portugal, avançam para todo o mundo, sendo nós apenas o primeiro ponto de passagem. Contrariamente ao que os gloriosos tempos da expansão portuguesa possam fazer sugerir, nós nunca avançámos para o mundo, apenas avançámos pelo mundo. Na prática, não fizemos tão grandes coisas, na essência não nos moviam objectivos propriamente nobres. Mas a nossa incapacidade de colonizar eficazmente, embora tenhamos feito derramar sangue por todos os mares, acabou por nos tornar mais mansos, isto é, menos capazes de nos enquadrarmos na voracidade que tomou conta do planeta. Continuaremos a levar nas orelhas, mas acabaremos sempre por ser bons rapazes, e é isso que significa ser português.
2 Comments:
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17:33
Caro POS, a união ibérica é uma questão de tempo e acontecerá naturalmente. Começará por ser económica para depois ser política. E quando chegarmos a esta fase, ninguém sonhará voltar atrás porque então estaremos bem melhor. De resto, Portugal só é independente para Lisboa ser a capital.
20:28
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