| quinta-feira, abril 22, 2004

A violenta, sob máscara humorística, objurgatória de Ricardo de Araújo Pereira a Miguel Sousa Tavares, por causa da adopção de crianças por casais homossexuais, é um pouco fedorenta. Não por causa da adopção propriamente dita, que não me assusta, desde que surja como gesto solidário e não como forma de compensação semelhante às que levam à existência de grande comunidade gay no submundo da canicultura. Não me oponho, mas também não levanto o estandarte do politicamente correcto. O que me incomoda é a sublimação da espécie humana, com raizes firmadas numa distinção entre animais irracionais e racionais, típica do cientismo oitocentista e absolutamente desadequada nos tempos que correm. O homem lê livros e come à mesa? Grande merda!... Os “cães comem o seu próprio vomitado” e “há animais que comem as suas próprias crias”? Espantoso!... Mas não há animais, além da espécie que lê e usa talheres, que matem semelhantes para lhes roubar uns vinténs, que promovam guerras para sacar petróleo e continuar a dominar o mundo, que não forneçam medicamentos gratuitos a África para que a indústria farmacêutica continue a engordar, que façam explodir inocentes a torto e a direito, que prendam semelhantes por delitos de consciência, que matem semelhantes ao abrigo de uma forma de impunidade mascarada de justiça...
Ler livros é bom, comer à mesa é bom. Mas o maior erro do homem é a presunção de ocupar um lugar à parte na Natureza.