0 comments | terça-feira, agosto 01, 2006

Sobre o tema do post anterior, mantive na caixa de comentários do meu amigo e camarada Paulo F. Silva um curto debate. Para que o último comentário que escrevi não permaneça asfixiado, reproduzo-o também aqui.


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A crítica de fontes é regra primacial do historiador, mas deverá sê-lo, também, do jornalista. Ou seja, nada nos leva a crer que o rapaz Hussein Saad (não me parece nome de apologista de Israel) ou a rapariga Béatrice Khadige [nota: por estarem aqui despidos de qualquer contexto, esclareço que os nomes atrás referidos são de jornalistas que, no terreno, afirmaram que a povoação bombardeada é a mesma onde Jesus transformou água em vinho] sejam detentores da verdade. Até porque, nestes assuntos, a verdade é um conceito complexo: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14, 6).

A Bíblia, fonte histórica essencial mas de carácter muito duvidoso, atendendo à essência simbólica da linguagem utilizada, tem aberto o apetite dos arqueólogos ao longo dos tempos, mas a verdade é que muitas das grandes descobertas apenas são verdadeiramente credíveis se as olharmos com uma maciça dose de fé. José Amadeu Coelho Dias (frei Geraldo), professor que me deu umas luzes sobre civilizações pré-clássicas, é, além de padre beneditino, um dos mais relevantes estudiosos destas matérias no nosso Portugal. E é extremamente céptico em relação à maior parte destes achados. Porque à fé, que certamente tem, associa o espírito crítico a que o rigor científico o obriga. Neste caso, a maior parte dos estudiosos dá mais crédito à possibilidade de a Canaã do Evangelho ser a que fica nas proximidades de Nazaré, o que não implica, necessariamente, que tenham razão. O mesmo sucedendo no que respeita à versão libanesa. Porque estes achados baseiam-se em indícios muito frágeis, em vestígios muito questionáveis. Ocorre-me, por exemplo, o caso de André de Resende, um dos mais insignes humanistas portugueses, que, no afã de estudar os clássicos que era apanágio dessa gente do século XVI, andou a "semear" marcos romanos nos arredores de Évora, para os apresentar como achado seu...

Perante tais circunstâncias, a visão crítica do jornalista deve ir além dos palpites que lhes caem das agências, de modo algum mais válidos porque dados por gente que por lá anda. Ao usarmos Canaã (e a terra de Canaã era toda a Terra Prometida, não apenas uma aldeia onde da água se fez vinho ... ), estamos a assumir que é aquela a localidade referenciada no Evangelho, algo que a falta de certezas nos impede de dizer. Assim sendo, mantenho que Cana ou Caná são as grafias que me parecem mais adequadas.
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