Sendo José Pacheco Pereira uma pessoa inteligente e culta, qualidades que nem me atrevo a contestar, tenho de concluir que há nele uma atitude dolosa sempre que resvala para a opacidade intelectual (se escrevesse "desonestidade intelectual", o dolo seria explícito). Será defeito meu, mas sempre me incomodam as tiradas de moralização dos media que protagoniza, disfarçadas de crítica lúcida e desapaixonada, pois é das pessoas que, em Portugal, melhor se aproveitam da própria mediatização. Pacheco Pereira não existe pelo que dele mostra e faz mostrar, mas, se não o fizesse, não seria Pacheco Pereira, antes um obscuro intelectual, como tantos outros bem mais válidos do que ele. A dissecação semântica que faz da palavra "massacre", que eu mesmo usei para titular, no JN, a notícia do (hélas!...) massacre de Cana, é do mais rebuscado que pode haver. O verbo "massacrar", segundo o dicionário da Porto Editora (tenho-o aqui à mão, mas, quando chegar a casa, vou consultar o da Academia, o Houaiss e o de José Pedro Machado), significa "matar em massa e cruelmente pessoas indefesas; chacinar". Ora, não acredito que uma pessoa com os estofo intelectual de Pacheco Pereira conclua, daí, que massacre pressupõe dolo. Pode resultar de neglicência, que a crueldade mantém-se presente, pois a negligência pressupõe desrespeito pelas vidas de inocentes, atitude em si cruel. As crianças de Cana foram vítimas de uma chacina, e quem diz o contrário não sabe o que diz. Ou sabe, pois diz o que diz com fins, esses sim, meramente propagandísticos. Fá-lo, sempre, com aquela máscara de sobriedade que todos conhecemos. E os tais pataratas, esses que tomam partido, "tout court", aplaudem, como bons acólitos que são.
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