0 comments | sábado, março 12, 2005

1. A questão da venda de medicamentos em hipermercados e afins é, afinal, mais uma dose de provincianismo à portuguesa. Estou ainda para perceber qual é o aconselhamento recebido pelo cidadão quando vai à farmácia comprar uma aspirina. No fundo, as resistências ouvidas à intenção de Sócrates enfermam, de algum modo, do mesmo tipo de atraso que tem impedido a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Do lobby das farmácias, construído, às custas das dívidas estatais, no tempo do cavaquismo, outra reacção não seria de esperar, já os farmacêuticos apresentam um corporativismo mais "light". Os médicos, teoricamente aqueles que mais percebem dos perigos que há ou não para as pessoas, batem palmas, evidentemente, pois facilitar o acesso aos medicamentos de venda livre é um óbvio benefício para todos os que não ganham dinheiro a vendê-los. Em todos os aspectos, daí outro aplauso, o das associações de consumidores. Mas os políticos põem-se a inventar reticências, porque a negação está na massa do sangue de todas as oposições. Essas reticências têm estado, ao longo dos anos, na base de larga parte do marasmo português, principalmente porque a exigência dos media, que querem reacções sempre em cima da hora, leva a que, muitas vezes, só se pense no que se diz depois de se ter dito.
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2. Outro aspecto do nosso atraso é a questão da falta de mulheres no Executivo. A paridade, como objectivo, causa-me alguma estranheza, tanto faria se houvesse mais homens ou mais mulheres, é de pessoas que falamos. Mas que há resistências, todos sabemos que há, e continuam a ser muito fortes. Estabelecer quotas, para atacar essas resistências, também não é uma solução para o problema, porque se trata de um princípio que pode sobrepor-se a outro mais importante, o da competência. Chocante é, como se leu nos jornais, que haja, por parte do agora primeiro-ministro, a impressão de que o PS não atrai mulheres competentes. Não vou aqui tomar a defesa das mulheres socialistas, que não precisam, nem criticar as escolhas de Sócrates, mas esse argumento da atracção parece-me absolutamente ilógico e despropositado. Talvez o problema, neste e noutros partidos, como na vida, esteja na base. Nos obstáculos suplementares colocados às mulheres, no esforço suplementar que elas têm de fazer. Estou a falar nas nossas fraquezas. Na fraqueza dos homens.
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3. Mais PS, mas agora ao nível local. Escreveu-se no "Público", que Francisco Assis será candidato à Câmara do Porto. De surpreendente, a notícia nada tem, há muito que é público e notório o interesse do líder distrital em candidatar-se ao cargo. Não sei qual seria a alternativa, mas parece-me que, uma vez mais, os socialistas apontaram a artilharia aos próprios pés. O candidato a candidato é tudo o que não falta à cidade, um homem dos bastidores, desprovido de carisma, baço. Uma indefinição aos olhos dos eleitores. Ou muito me engano, ou Rui Rio agradece. Logo, eu não agradeço.
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4. Lá teríamos de chegar a este ponto. A vergonha de ontem à noite foi tudo menos uma surpresa. Ainda há pouco, deitando o olho ao jogo dos lampiões, vi que o Gil Vicente joga muito mais do que o F. C. Porto. Ou seja, levar quatro do Nacional chocou-me menos do que seria de esperar, de tão familiarizado que estou, como os restantes portistas, com a mediocridade futebolística que esta época nos reservou. Outra coisa não seria de esperar, ante uma desastrada política de contratações, assente nas necessidades de treinador nenhum. Vários deles (Leo Lima, Hélder Postiga, pseudo-Fabuloso...) são imprestáveis. Mas o certo é que, se Pinto da Costa tivesse contratado onze maradonas, o clube continuaria a não ter uma equipa de futebol.