7 comments | sábado, dezembro 10, 2005

Foto de POS
Avenida dos Aliados, Porto

Já por aqui deixei escrito que, no meio de todo o sinuoso e conturbado processo que tem marcado a transformação na Avenida dos Aliados, as saídas da estação do metro resultam numa vantagem: o alargamento dos passeios laterais, visível nesta primeira imagem. É sobre isso esta nota, pois falha-me a capacidade de criticar seriamente (fazer uma leitura crítica, entenda-se, não dizer mal, "tout court") a intervenção em curso, o alegado "sizentismo" ou a circunstância de os dois monstros sagrados da arquitectura que ali actuam não serem, afinal de contas, renomados enquanto urbanistas.

Foto de POS
Avenida dos Aliados, Porto

Reconheço e valorizo, embora às vezes possa parecer que não, a luta dos que travam este combate contra a surdez intelectual do Executivo camarário, mas o grande problema da Avenida, na minha modesta opinião, é chamar-se "sala de visitas da cidade" a um espaço muito mais penalizado pela degradação cívica do que pelas retroescavadoras. Ou seja, qualquer protesto contra a alteração do desenho original deveria, também, enfatizar a necessidade e a urgência da mudança. Mantenho, portanto, que, sem mudar a vida das pessoas, tanto faz que haja canteiros ou não, passe a ligeireza de resumir isto à questão dos canteiros. Mas não resisto a mostrar o que o dinamismo humano faz a uma das praças mais belas do mundo, onde não há canteiros nem arvoredo.

Direitos reservados
Grand Place, Bruxelas, Bélgica

Claro que seria desonesto da minha parte supor que, no Porto, uma população apática e uma autarquia insípida pudessem aproximar a Avenida dos Aliados da ancestral tradição que pinta a Grand Place de flores. Apenas pretendo, pelo exagero, deixar claro que as cidades são, na essência, manifestações da vivência humana. E voltar a dizer que, em termos de vivência humana, o centro portuense está há muito transformado em quase nada.

Foto de POS

Foto de POS
Avenida dos Aliados, Porto

Rejeito qualquer conotação deste texto com visões elitistas, embora admita que o apelo à qualificação da Baixa possa dar ares disso. É que, se queremos que toda aquela zona se reconstitua como centro cívico da cidade, não podemos querer que continue a transformar-se em montra de misérias. Evidentemente - e que isto fique bem claro -, repudio quaisquer acções despóticas que se traduzam em afastar pedintes, arrumadores e outros excluídos da vista dos turistas e dos conterrâneos. Quero apenas dizer que a requalificação pouco frutificará se não houver políticas efectivas de combate à pobreza e à exclusão social.

Mas é evidente que a sala de visitas de uma cidade como o Porto tem de ser um espaço nobre, dinâmico, com ofertas de qualidade para os cidadãos, que impeçam a manutenção desse estatuto de ponto de passagem que se apossou da Avenida, condição que os principais defensores daquele espaço não admitem. De outro modo, não seria provável que o espaço mais importante da cidade tivesse sempre lojas devolutas, ou não utilizadas, recorrentemente usadas por candidaturas políticas.

Foto de POS

Foto de POS
Avenida dos Aliados, Porto

Na mesma linha, que espécie de sala de visitas é esta, onde proliferam espaços comerciais que, pelas regras do mercado, nunca conseguiriam subsistir na zona mais nobre de uma cidade que se quer de dimensão europeia?

Foto de POS

Foto de POS

Foto de POS
Avenida dos Aliados, Porto

Neste aspecto, seria injusto responsabilizar em exclusivo os que gerem a coisa pública, pois toda a Baixa está em crise por causa da resistência à mudança que sempre tiveram a generalidade dos senhores comerciantes, especialistas em choradinhos vários e incapazes de modernizar os negócios, quando tal se impunha, ou de agilizar os horários de funcionamento.

O alargamento dos passeios laterais é, claramente, uma oportunidade para fazer renascer a Avenida, e determinados espaços, como o reinventado "Guarany" ou o "Black Coffee" (este na Praça do General Humberto Delgado) podem servir como exemplos para a desejável proliferação de sítios de convivência social, pois é certo que, se na Avenida houver onde comer, onde beber, onde conversar, onde conviver, outras coisas virão por acréscimo. Tal depende, evidentemente, do dinamismo dos investidores privados, e esses apenas precisam de condições favoráveis, algo que não tem sucedido até aqui, ou os espaços supostamente nobres do comércio portuense não estariam ocupados com lojas de fancaria e saldos permanentes.

É que ao poder público não se pode pedir em demasia, até porque os que lá estão são os que agora puseram mais uma piroseira a tapar a estátua de Garrett.

Foto de POS
Avenida dos Aliados, Porto

7 Comments:

Blogger ManuelaDLRamos said...

Ora viva!
Junto a minha voz ao seu protesto contra a degradação da Baixa e a falta de investimento. Mas qual será a razão? A propósito do que vale a pena ler o diz sobre o assunto o proprietário do "Black coffee": «"Arrependido". É assim que sente, por sua vez, José Wilson, proprietário do Black Coffee, na Avenida dos Aliados, no Porto. O processo de conversão do antigo banco em café/bar tornou-se numa dor de cabeça. Para ir de encontro, muitas vezes, a simples questões de pormenor. "Nunca vi um café obrigado a ter tantos sensores de fumo. Parece uma árvore de Natal. E vou ter que pôr uma boca de incêndio na rua", sublinhou José Wilson, recordando que chegou a ser multado por ter colocado uma faixa a anunciar a inauguração do estabelecimento.
"E querem que assim se invista na Baixa?", questiona.»
(Ler noticia:Burocracia sem fim trava licenciamentos )

Chegou ser multado por ter colocado uma faixa a anunciar a inauguração do estabelecimento...!
Pois é caro POS: quem está no poder pensa que pode infringir leis, ignorar apelos, atropelar argumentos, o mexilhão paga multa...
Não estamos de todo alheados dos problemas sociais (sócio-económicos) que afligem a nossa cidade e muito particularmente a BAixa. Não senhor.
....
Um reparo: o alargamento dos passeios (que elogia) não é incompatível com a placa ajardinada central. Basta que se prescinda de três faixas de rodagem x 2.

A propósito deixo aqui a notícia da última iniciativa d"a luta dos que travam este combate contra a surdez intelectual do Executivo camarário" (Podia ter acrescentado "e o autismo arrogante dos arquitectos a quem a glória subiu à cabeça" como alguém escreveu num comentário lá nos ALIADOS).
"Futuro da obra nos Aliados está nas mãos do tribunal"


PS. Essa loja Baraton, está nas mãos dessa família há mais de uma geração... Se fosse uma ZARA já não criticava ?(ai esta farpazinha...)
Bom domingo

10:47

 
Blogger POS said...

Olá, Manuela!

São ou não são bonitos os tapetes de flores que, de dois em dois anos, cobrem a Grand Place Por alturas de Agosto? (a propósito, descobri entretanto este sítio onde é descrita a feitura do tapete que mostrei, o de 2002).

Sobre os cafés, uma curiosidade. O primeiro café do dono do Guarany e, também do Majestic, Agostinho Barrias, era o café da rua onde cresci. E foi lá que, há muitos anos, conheci o Zé Wilson, que dava aulas de karaté na escola em frente. Estou ao corrente desse processo surrealista, típico deste poder tacanho que a maioria do eleitorado insistiu em legitimar...

Sobre a questão da Zara (essa farpazinha faz-me cócegas :-) ), só penso que, se a Avenida dos Aliados fosse competitiva, os donos da loja Baratom teriam tido de melhorar um pouquinho a oferta e a apresentação, isto é, de acompanhar o tempo em vez de ficarem parados. Queira-se ou não, não vemos na Quinta Avenida as mesmas lojas que em Chinatown...

Já sobre as duas faixas de rodagem, essa seria uma boa solução, desde que se arranjassem alternativas de qualidade para escoar o fluxo de trânsito. Infelizmente, não é exequível expulsar os automóveis, e a única proposta que vi, até agora, foi a do arquitecto Pulido Valente, que não me parece muito razoável. É que, apesar de os popós terem sido desviados do tabuleiro superior da Ponte Luiz I para a Ponte do Infante, o que poderia pressupor algum alívio, a verdade é que todos os caminhos continuam a desaguar na Baixa.

Bom domingo para si, também.

15:45

 
Blogger Ideiafixe said...

olhó Porto! E a Serra! Quem me dera lá!

11:56

 
Blogger ManuelaDLRamos said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

09:04

 
Blogger ManuelaDLRamos said...

As duas vacas sagradas da arquitectura estão a fazer uma cacada, perdão calçada, de todo o tamanho na "sala de visitas" do Porto. Mas como o comum cidadão já se habituou a pisar "alegada" m...
(desculpe os termos, caro POS, nas eu hoje acordei assim ;-(

09:06

 
Anonymous Anónimo said...

Venho sendo bastante rabugenta em alguns blogs sobre os Aliados e por isso mesmo vou só levantar uma questãozinha.
Enquanto falas - e concordo - "..., renomados enquanto urbanistas." Depois dás um "exemplo" da lindíssima "Grand Place", onde não há canteiros nem arvoredos. Pois é, não tem! Mas mostras a imagem fotografada de cima.
E aí levanto a questão do urbanismo, de como o espaço será utilizado, quem passa por ali, quem permanece. A proposta do espaço: dos caminhos que ele conduz em função da topografia,o comércio, as ruas. Onde fica a Praça - mais baixo - visualiza-se a Avenida inteira.É local turístico, é de passagem e de descanso. Tem uma intenção interessante de dividir a cidade.

Mas não quero dizer com isso que eu - por conhecer e gostar - não aceito nem concordo com uma reestruturação urbana, claro que concordo. Mas acho que é necessário ter-se um pouco mais de cuidado, sermos todos menos herméticos, ou então poderá acontecer de só conseguirmos achar a Avenida bonita olhando-a de cima.
No Rio de Janeiro, há um projecto belíssimo de Burle Marx: o Aterro do Flamengo, convido a quem possa, também a olhá-lo de cima, é magnífico. :)

23:48

 
Anonymous Anónimo said...

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» »

15:39

 

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