0 comments | sábado, abril 07, 2007

Não escrevi aqui sobre o brilhante cartaz dos Gato Fedorento, porque toda a gente em toda a parte o fez e porque não necessita de legendas. Mas a atitude generalizada de menorizar os lampejos da extrema direita portuguesa preocupa-me. Porque a maior fragilidade da democracia é a certeza da democracia.


A propósito do episódio dos outdoors em Lisboa, soube-se que o mais notório dos quatro humoristas, Ricardo Araújo Pereira, foi alvo de ameaças várias, designadamente num fórum nacionalista na Internet. Até eu, desconhecido que sou, já fui visado num desses fóruns disparatados (soube-o há tempos, dois anos depois), por causa de um trabalho jornalístico que fiz sobre naturalizações, a que então dei o título "A nova raça lusitana", para cúmulo, na óptica dessa gente, ilustrado com uma grande foto de Francis Obikwelu. "Este é um dos que adoraria me cruzar numa rua a qualquer hora partir lhe os dentes", "Não podemos matá-los. Não podemos espancá-los até ao estado de coma. Não lhes podemos tocar" ou "Realmente é de bradar aos ceus a subserviencia desta gentalha, a necessidade da bajulacao a corja judaica e seus acefalos vermelhos que domina os meios de comunicacao do mundo inteiro" são alguns dos mimos que me foram destinados, pondo de parte as tiradas mais piadéticas, como quando um me recomendou que deixasse o "crack"...


É evidente que o humor é uma excelente arma contra estas pessoas que promovem a iniquidade, o racismo, a xenofobia, o ódio... Mas isso não pode significar que se desvalorize o fenómeno, todos os dias potenciado pelo descontentamento em que os portugueses vivem.


Há dias, vi na "SIC Notícias" parte de um documentário sobre a extrema direita e os neonazis na Rússia. Evidentemente, as diferenças são muitas, pois nem o descontentamento nem a ilusão de superioridade sobre os restantes são assim tão fortes entre nós. Porém, é importante que se saiba que, por exemplo, uma menina de oito anos foi assassinada com 11 facadas, apenas por ser filha de imigrantes da Ásia Central. É chocante - e dá que pensar - ouvir um estudante africano, em S. Petersburgo, a dizer: "Quando saímos, levamos sempre connosco o nosso caixão". É esclarecedor quando um tipo que diz ser professor universitário, de aspecto aparentemente arejado, diz que simpatiza com as ideias dos nacionalistas, amaldiçoando a "invasão" de imigrantes. É arrepiante ver as imagens de espancamentos e até de homicídios que essa rapaziada difunde na Internet, ou vê-los a praticar tiro ao alvo, com armas de guerra, contra estrelas de David. É revelador ver que o líder de uma plataforma qualquer de ultranacionalistas é uma espécie de clone do tipo do PNR português, com barbicha tirada a papel químico.


Não existe por cá o medo que se vive na Rússia, mas isso não significa que se olhe o problema com ligeireza. O desencanto com as instituições, o cinto sempre cada vez mais apertado e a vontade de mudar, dê para onde der, vão crescendo. E é sobre esses fenómenos que pairam os abutres.