1 comments | terça-feira, maio 08, 2007

Já há um bom par de anos - em verdade, no tempo em que os animais falavam -, quando o inefável Macário Correia enunciou o célebre axioma "beijar uma mulher que fuma é como lamber um cinzeiro", lembro-me de ter publicado no JN uma croniqueta a que dei o título "Cinza na língua". Sei lá o que na altura escrevi... Não vou, agora, enfiar o nariz na poeira do arquivo. Lembro-me de o texto ter saído com um cartune politicamente incorrecto (mesmo muito) do Onofre Varela, que gostava de aqui reproduzir, algo que também não é agora possível.


Lembro-me disto numa altura em que, paradoxalmente, estou a cortar nos cigarros. Tenho fumado entre dez e quinze por dia, em vez dos dois maços em que andava mergulhado, por várias razões, nenhuma delas relacionada com a nova sanha antitabagista que está a tomar conta desta terra. Fumar é uma cretinice como tantas outras, mas uma cretinice bem mais leve do que tentar impor uma ditadura puritana, criando uma sociedade de castas em que os fumadores se tornam os intocáveis.


Respeitarei as leis, se falhar o propósito de deixar de fumar, necessidade sanitária e económica (nestes tempos miseráveis, há que cortar nas coisas supérfluas, e o tabaco parece-me menos importante do que a alimentação, do corpo ou do espírito). Mesmo que as leis sejam estupidamente paternalistas (sim, desse grande pai totalitário que é o Estado... sim, às vezes pareço liberal...), entendo perfeitamente que deve impedir-se o fumo passivo forçado. Forçado, porque há não-fumadores que até gostam de frequentar esses bas-fonds de cortar à faca.


Custar-me-á a fazê-lo. Ler histórias como esta que conta o Francisco José Viegas, em que alguém sugeriu que o cigarro fosse apagado de uma foto de Fernando Pessoa, impele-me a puxar de um paivante e a acendê-lo, em protesto. Porque tamanha saloiice... Reformulo: porque tamanha canalhice, como a de impor coercivamente ao grande poeta uma moral asséptica que nada lhe diria, só serve para que ergamos o cigarro ou o charuto como um ideal de liberdade, como um estandarte na luta contra essa peçonhenta corja de moralizadores.

1 Comments:

Blogger Jorge Simões said...

O que se passa com o nosso Estado é o seguinte: tem o pior do capitalismo (selvajaria no tratamento do nosso dinheiro e ganha-pão) e o pior do socialismo (a mania de controlar tudo e todos sem sequer um pingo de moderação). Que cocktail, hã?

18:54

 

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