0 comments | quarta-feira, abril 25, 2007

Se a conquista da Liberdade, há trinta e três anos, me obriga a reconhecer a legitimidade democrática do executivo municipal do Porto, é, também, certo que me concede o direito de considerar pacóvio e estúpido o eleitorado que sufragou tal gente. Do tradicional discurso dos políticos ou dos analistas, quando toca a analisar resultados eleitorais, releva quase sempre a ideia de que os eleitores, massa amorfa e heterógénea, podem ser entendidos como um corpo coerente, que, pelo sentido do voto, transmite sempre mensagens tidas não apenas por descodificáveis, mas até por claras, inequívocas ou reveladoras. Evidentemente, nenhum político pode fugir às regras do jogo, mas todos, na travessia dos dias, nos cruzamos com gente estúpida. Haverá algum motivo para que essas pessoas ignaras e desinteressadas se tornem iluminadas no momento de votar? Creio que não, apenas na eleição papal existe a intervenção directa do Espírito Santo.


Mas não é de ânimo leve que se chama nomes a essa entidade abstracta e volúvel que, conforme as conveniências, é vulgarmente designada por maioria ou apenas por fatia do eleitorado. Há que explicá-lo, o que não é difícil. Só a ignorância pode justificar (assim o creio pela fé que mantenho na capacidade humana de construir um mundo melhor) a eleição de pessoas de dúbia honestidade intelectual. E hoje, Dia da Liberdade, feriado nacional, os que distribuem o pasquim municipal trabalharam, assim o encontrei na minha caixa do correio. E hoje, Dia da Liberdade, vi novamente que os autores do dito pasquim o continuam a usar, sem ponta de decoro, para praticar más acções. E - que querem? - fiquei lixado.


Não faço link para a coisa, insisto sempre em dizê-lo, mas está disponível, em pdf, no nefando site do município. A páginas 16 e 17, a revista "Porto sempre" dedica-se a analisar a alegada decadência da Imprensa escrita, fazendo-o de forma superficial, tendenciosa e procurando servir aquela que tem sido a estratégia da Câmara, da satisfeita indiferença com que testemunhou o fim de "O Comércio do Porto" à forma com que tem lidado com todos os jornais, num misto de vitimização e ataque descontrolado, designadamente aquele em que trabalho.


Uma vez mais, tenho de destacar que um boletim municipal não é o lugar para dar à estampa reflexões superficiais e apócrifas sobre o futuro da Imprensa. Tento perceber quem os poderá ter redigido, mas a ficha técnica não é esclarecedora e, atendendo à sofrível escrita, sou levado a pensar que a prosa terá jorrado de alguma pena de estagiário ou de aprendiz de feiticeiro. Conclusão pouco nítida, admito, até porque a condição de aprendiz de feiticeiro é, tantas vezes, uma ineludível forma de ser, que nem a aquisição de títulos pomposos pode disfarçar. Ou seja, não sei quem escreveu o referido rol de superficialidades, cuja falta de subtileza apenas serve para clarificar os objectivos, meramente políticos.


Como burro velho é que não aprende línguas, há ali certos tiques de antanho que me levam, todavia, a acreditar que há mão enrugada por trás do arrazoado. Basta citar uma frase, inaceitável em jornalismo sério, intolerável em meios académicos sérios: "A angústia generalizada, nomeadamente na classe jornalística, tem levado os investigadores e académicos das melhores escolas a proporem medidas drásticas contra os prevaricadores das boas práticas do jornalismo moderno...".


"Angústia generalizada"? "Melhores escolas"? "Medidas drásticas"? "Boas práticas do jornalismo moderno"?... Quem escreve estas coisas poderá servir para a produção de panfletos, mas não tem qualquer credibilidade. E um boletim municipal não pode servir para dar guarida a tão primários plumitivos. Ou seja, parece que pode, mas porque essa massa anódina, a que alguns chamam maioria, deu legitimidade a quem, pelo menos, não se importa.


Porém - hélas! -, a não ser que sobre a nossa cidade voe algum arcanjo distribuidor da inteligência, polvilhando os ares com pós de perlimpimpim neuronal, existe sempre o risco de que a mesma malta seja reeleita. E não saímos disto.