Enquanto escrevo esta nota, há apenas dois computadores entre mim e o Vítor Pinto Basto, excluam-se as mesas e as papeladas, povoando metro e meio de distância. As circunstâncias recomendam prudência, está visto, pois o assunto é “Morto com defeito” (Porto, Deriva, 2006), o primeiro romance do dito. Ou seja, o que se segue é um frete e não é um frete, usando a terminologia mais suave do jargão jornalístico, porque me abstenho de ser antipático (não vá um monitor aterrar na minha cabeça) e tento resistir a ser simpático porque sim. Talvez devesse sê-lo, digo simpático, porque apenas faria eco das amigas e talvez excessivas palavras que decidiu escrever no meu exemplar. Mas não preciso, simplesmente porque a leitura me trouxe algo de estimulante. Quanto às questões da forma e do estilo, reservo-as para conversas pessoais, fugindo ao papel de aprendiz de feiticeiro da crítica.
Como nunca vi anjinhos a aspergir inspiração sobre cabeças iluminadas, permaneço convicto de que a imaginação é ressonância das vivências, pelo que encaro com normalidade que um jornalista efabule em torno do jornalismo, situação que, aliás, me é mais simpática do que determinados arroubos académicos em que a teorização perde contacto com a realidade. O que o Vítor faz, se a tal o pudermos reduzir, é uma reflexão sobre a vida vivida, que se cruza com a vida imaginada, algo que podemos facilmente entender, sem cairmos no facilitismo de partir em busca dos elementos autobiográficos. Estes estão lá, na medida em que integram toda a palavra escrita, mesmo que indirectamente. Mas não podemos encarar este “Morto com defeito” como mero exorcismo de um ou outro episódio do percurso de vida do autor, o que nos faria incorrer no risco de perder a capacidade reconstrutiva que, em verdade, é a chave de qualquer leitura.
Uma Redacção, com as suas intrigas, maledicências e jogos de poder é, afinal, apenas um microcosmos em que podemos retratar a voracidade, a competição ou a perda de valores em que vemos mergulhar, lato sensu, a vivência em sociedade. No meio disso encontramos desencantos, mas também encantos, o que, de certo modo, ajuda a desmontar a romanesca ideia que muitos têm do jornalismo, ao cabo e ao resto uma profissão como outra qualquer, em que o gostar do que se faz e o brio são formas únicas de traçar a diferença.
Jornais, notícias, fontes, corrupção, crime... ingredientes que se ligam numa trama bem urdida (não tão bem resolvida, opino) em que se movem personagens palpáveis, emocionalmente densas, com histórias de vida, com medos, pulsões, prazeres... Gente, não apenas nomes inconsistentes. Gente que não é extraordinária, mas vive, em tantas das dimensões que esse verbo representa. Quando assim é, há algo que foi conseguido, e isso, sim, pode sempre ser tido como extraordinário.
3 Comments:
so por curiosidade,o Vitor Pinto Basto e o senhor do Pirilampo magico?
13:16
:-) Não, é outro que fica entre mim e o do pirilampo mágico :-)
14:31
Obrigado, POS, pela tua observação ao "Morto com defeito". Eu só quis escrever um livro sobre a importância de se viver as pequenas coisas e assim demonstrar que, agindo com verdade, ninguém nos poderá dar como morto.
VPB
14:52
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