Hoje tentei, uma vez mais, dar-me ao trabalho de ler a croniqueta da idolatrada (por alguns) Helena Matos. Como pode endeusar-se coisa tão má?, pergunto eu. Coisa tão básica, adianto. Coisa tão parola, no sentido urbano do termo. É que, enquanto leio, começam a "dar-me os nervos", como diria Eusébio.
Pretende a senhora fazer a apologia do progresso, supostamente bradando contra os velhos do Restelo que, a encoberto de alegada notoriedade científica, batalham contra todo e qualquer avanço da grande nação pátria. Quando Helena Matos vai buscar o exemplo da barragem do Côa, então, adensa-se a impaciência. "...rapidamente passámos do debate em torno da necessidade ou não daquela barragem, do acerto das diferentes soluções técnicas passíveis de preservarem o património arqueológico do Côa para um conflito entre os 'analfabetos, idosos e rurais atrasados do interior' que defendiam a construção da barragem e os 'alfabetizados, jovens e citadinos avançados do litoral' que se opunham à sua construção...", escreve, pouco depois ter ter feito algumas alusões à "reserva estratégica de água" e à "produção de energia eléctrica".
No fundo, quererá ela opor-se à sacralização do património (com o que, de algum modo, concordo, pois não podemos correr o risco de transformar tudo em património). Porém, fá-lo com um péssimo exemplo. Quando há duas partes em confronto (a favor e contra a barragem) e a premência de uma decisão, nem nos mais eruditos ambientes é de esperar discussões absolutamente edificantes, pois essa edificação absoluta só está ao alcance de quem escreve crónicas que nada decidem. Ora, quando foi o caso da barragem do Côa, havia a tal população que queria a barragem (um querer cego e irracional, pois uma barragem não constitui qualquer fonte de riqueza para a região onde se insere), havia um património arqueológico único no mundo e havia um primeiro-ministro/Governo alheio à importância dessas "minudências" culturais. Está por saber, efectivamente, se a necessidade da barragem seria tão grande, seja em termos da dita "reserva estratégica" (se não andássemos sempre de calças na mão, por causa dos planos hidrológicos espanhóis), seja no que à produção de electricidade diz respeito (basta falar cinco minutos com um especialista para perceber que a capacidade portuguesa de produção hidroeléctrica está praticamente no limite).
Quisesse eu especular e associaria esta insistência nas barragens à circunstância, muito actual, de a EDP querer construir uma outra barragem no baixo Sabor, o que destruirá o único rio português livre destas intervenções e já motivou parecer negativo do Instituto de Conservação da Natureza. Aí, estaríamos a falar de progresso, é certo, mas de progresso empresarial. Não posso afirmar, claro, que a distinta cronista tenha motivações dessas.
Assim, só me resta criticar quem escreve enormidades como "Não admira portanto que as questões de ambiente, qualidade de vida e de defesa do património sofram dum enquadramento prévio que as transforma numa espécie de versão serôdia dos cartazes do SNI ou da Comissão de Dinamização do MFA". Não pelo que possa estar por trás, mas pela saloiice que surge à frente.
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